No contexto do combate à pandemia da COVID-19, em Portugal, os espaços culturais e salas de espetáculos foram os primeiros a fechar e, quem trabalha no setor, acredita que provavelmente serão os últimos a abrir.

“Trabalhamos com pessoas, tudo o que não se pode fazer agora é o nosso trabalho, que é juntar muitas pessoas dentro de um espaço”, afirmou o programador do Maus Hábitos, Luís Salgado, em declarações à Lusa.

O espaço Maus Hábitos, sala de concertos, exposições, bar e restaurante no Porto, foi um dos primeiros em Portugal a anunciar a suspensão da programação cultural.

“Fechámos primeiro a parte dos espetáculos, em 8 de março, e depois o restaurante. Estamos em ‘lay-off’ e sem saber muito bem quanto é que isto vai durar, porque vivemos das pessoas estarem juntas”, referiu o programador do Maus Hábitos, Luís Salgado, em declarações à Lusa.

Ali trabalham à volta de 30 pessoas e “cerca de 90% está em ‘lay-off’”. As que não estão ocupam os dias a “fazer conteúdos para as redes sociais”, para que o Maus Hábitos “não pare totalmente”.

A aposta nos conteúdos digitais, como o podcast Hábitos da Quarentena, “não será o futuro” do espaço, é sim “o presente forçado”.

Quanto ao futuro, Luís Salgado acredita que “vai depender muito de como a retoma se vai fazer”.

“Tem-se falado que as primeiras coisas serão eventos de rua, não sei muito bem o que vai acontecer no Porto, mas calculo que as primeiras coisas não serão em espaços fechados e poderão passar por palcos na rua”, referiu.

O programador lembra que os trabalhadores independentes do setor cultural “estão aflitos, todos”.

“Ficaram sem nada. Vejo muita gente aflita, tanto na parte técnica como artística. As pessoas aguentam um mês, dois meses, mas se evoluir muito mais não sei como vai ser possível sobreviver, estamos a falar de pagar contas e comer, coisas muito básicas”, disse.

Já quanto a “estruturas mais organizadas”, Luís Salgado acredita que “conseguem aguentar-se um período um bocadinho maior, mas se durar muito tempo não será possível”.

Também do Porto, a associação cultural Porta-Jazz parou a atividade regular do espaço que tem na cidade.

“O fulcral da atividade, que é aquela sala, com os concertos e como espaço de ensaio, de residência e de workshops teve que parar. Isso tem uma implicação muito grande para a comunidade [do jazz], em termos artísticos e de trabalho”,  disse à Lusa João Pedro Brandão, um dos elementos da direção da Porta-Jazz.

A direção é composta por onze pessoas, “que trabalham voluntariamente” e “há dois elementos na parte executiva”.

Além da programação regular em sala própria, que está “programada quase para o ano inteiro”, a Porta-Jazz organiza “uma série de concertos, no Porto e fora do Porto”.

Neste momento, não é possível fazer planos: “Ninguém tem prazos, a linha temporal é uma coisa que está suspensa, está tudo no ar”.

“Para a nossa comunidade, cerca de uma centena de músicos ou mais, há uma atividade que para por completo. Alguns músicos têm outros trabalhos, a maior parte dá aulas, mas se são escolas privadas também pararam. É uma situação muito complexa para os músicos enquanto trabalhadores independentes”, alertou.

A Porta-Jazz conta com o apoio bianual 2020/2021 da Direção-Geral das Artes (DGArtes) e, por isso, este tempo tem sido passado “a fazer relatórios e a tratar de projetos”. Ou seja, a parte executiva da associação “continua a funcionar, porque há muitas coisas que estão a ser programadas mais para a frente, com a perspetiva de que as coisas vão ser retomadas”.

Apesar de a associação “ter alguma margem” devido ao financiamento da DGArtes, “que continua a apoiar as estruturas sem exigir atividade”, este representa “apenas uma parte, que não é a maioria, nem de longe nem de perto”.

“O problema são os outros financiamentos, todos os ciclos que organizamos fora da nossa sala, que representam também financiamento para a atividade, e que desaparecem”, disse João Pedro Brandão.

O que a Porta-Jazz recebe da DGArtes “dá para segurar a estrutura, mas, dependendo do tempo que isto se estender, não dá para garantir tudo o que estava programado”.

“É uma incógnita gigante neste momento, perceber se dura mais dois meses, cinco ou seis, ou se estas paragens vão ser intermitentes. Sabemos que está parado, mas não sabemos se em setembro estará parado, então continuamos a trabalhar como se retomássemos toda a atividade em setembro e no resto do ano, mas estamos a fazer tudo com alguma parcimónia, porque não há certezas de nada. Estamos a continuar a trabalhar e a tentar fazer planos para o futuro próximo e sabemos que vamos ter que nos adaptar”, referiu.

Também o fundador da cooperativa cultural Omnichord Records, de Leiria, Hugo Ferreira, afirma que “no regresso tem que haver muita contenção”, falando também numa indefinição sobre quando isso acontecerá: “se no início se apontava o regresso para setembro, agora já se aponta mais para outubro, novembro, dezembro”.

A Omnichord, que representa projetos como Whales, Surma, First Breath After Coma e Jerónimo, tem “oito pessoas a tempo inteiro, além de muitos prestadores de serviços”.

A agenda de concertos para os próximos meses estava “recheada, tanto em Portugal como no estrangeiro, com vários países, dos Estados Unidos à Europa, com situações previstas e contratualizadas, e foi tudo a zero”.

“Não há nada que se mantenha de pé. Para quem só trabalha com prestações de serviços é muito complicado, no caso de uma estrutura maior, mais complicado fica, porque temos vencimentos mensais”, referiu Hugo Ferreira.

Nesta altura, a Ominchord está a “tentar projetos novos”.

O “Cultura com C de Casa” transformou a plataforma online Visit Leiria, da autarquia local, num “espaço de criação com regularidade, das artes plásticas à música”.

“Pedimos à autarquia para remunerar o projeto, para pagarmos aos artistas, que não são apenas os nossos, mas são todos os de Leiria”, contou.

A proposta da Omnichord passa por ‘ocupar’ a plataforma durante três meses. “A autarquia garantiu um mês de financiamento, e tentámos [a linha de apoio de emergência da] DGArtes para ver se conseguimos mais dois meses”, contou Hugo Ferreira, adiantando que em três meses são ajudados 250 artistas.

A ideia é “remunerar trabalho, numa altura em que não há”, mas também “capacitar”. Além disso, a Omnichord está na génese da Play It Safe, uma plataforma online - Play It Safe -, que incentiva o público a apoiar monetariamente os artistas.

Nos próximos tempos “vai ser tentativa e erro, e ver como criar propostas diferenciadas”.

Também Hugo Ferreira lembra que “a cultura foi a primeira a cair e provavelmente será a última a levantar-se”.

Segundo a Associação de Promotores e Espetáculos, Festivais e Eventos (APEFE), entre 08 de março e 31 de maio foram cancelados, adiados ou suspensos 24.815 espetáculos em Portugal por causa das medidas de contenção da epidemia da COVID-19. O número foi revelado a 3 de abril e a associação alertava que poderia “aumentar exponencialmente” nas semanas seguintes.

O Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos (CENA-STE) realizou um inquérito ao setor e apresentou os resultados à ministra da Cultura, indicando que 98% dos trabalhadores inquiridos tiveram trabalho cancelado por causa das medidas restritivas para conter a pandemia.

Em termos financeiros, para as 1.300 pessoas que responderam ao questionário, as perdas por trabalhos cancelados representam ainda dois milhões de euros, apenas para o período de março a maio deste ano, de acordo com o CENA-STE (o que indica a perda de um valor médio de receita, por trabalhador, de cerca de 1.500 euros).