“Sarah Affonso – Os dias das pequenas coisas” é um grande álbum ilustrado sobre a vida e a obra de uma das mais notáveis e desconhecidas modernistas portuguesas, que resulta de uma exposição homónima do Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado(MNAC), inaugurada no dia 12 de setembro.

Apesar do vasto legado artístico e de a sua obra já ter sido várias vezes dada a ver em exposições individuais ou coletivas, o trabalho de Sarah Affonso permanece desconhecido do grande público, e a artista, última aluna de Columbano Bordalo Pinheiro, é principalmente conhecida por ter sido mulher de José de Almada Negreiros.

É para colmatar essa falha que o percurso biográfico e criativo da artista passa a estar disponível não só na exposição do MNAC mas também em livro, que inclui igualmente registo da exposição "Sarah Affonso e a Arte Popular do Minho", patente na Fundação Calouste Gulbenkian, precisamente no ano em que se assinala o 120.º aniversário do seu nascimento.

A artista que preenche as páginas deste álbum ilustrado — através dos seus trabalhos, de uma fotobiografia e de ensaios desenvolvidos por especialistas de diferentes áreas — é uma criadora multifacetada, “tão notável quanto desconhecida”, refere a editora.

A sua obra vai do desenho e da pintura ao bordado, da ilustração aos azulejos, resultado de um trabalho que parte da tradição gravada nas suas memórias e da sua vida familiar para a exploração de novos territórios artísticos.

Exemplo disso é o trabalho de arquitetura paisagista e 'design' de interiores que foi desenvolvendo na sua casa de Bicesse, ao longo dos anos em que a habitou.

O primeiro ensaio, assinado por Emília Ferreira, diretora do MNAC, aborda todo o percurso artístico de Sarah Affonso, as suas escolhas e influências, as várias áreas que explorou e de que este livro dá prova.

A sua passagem por Paris, impulsionada por uma crítica de louvor ao seu trabalho enquanto finalista da Escola de Belas-Artes de Lisboa, a sua vivência e a obra desenvolvida naquela cidade são tema para o texto de Joana Baião, do Instituto da História da Arte (IHA), da Universidade Nova, intitulado “Sarah no centro do mundo”.

Paulo Ribeiro Baptista, também investigador do IHA, reflete sobre o facto de a abordagem à obra de Sarah Affonso a incluir no grupo dos modernistas e por a própria artista ser frequentemente encarada à sombra de Almada Negreiros, e sofrer uma “menorização”, fruto da dificuldade em definir o modernismo nas artes plásticas.

“Minho no coração. O sentido antigo das coisas”, texto da autoria de Ana Vasconcelos e António Medeiros, aborda uma obra pouco conhecida e raramente exposta da artista, inspirada na iconografia popular do Minho (região que a marcou durante a infância e adolescência) e composta por pintura, desenho, bordado e cerâmica.

Ana Vasconcelos é a curadora da exposição patente na Fundação Calouste Gulbenkian, "Sarah Affonso e a Arte Popular do Minho".

“Entrei na pintura por emoção”, texto assinado por Maria de Aires Silveira, curadora do Museu do Chiado, é acompanhado essencialmente pelos retratos que a pintora fez, de conhecidos, de familiares, de desconhecidos ou de pessoas representando laços, como “mãe e filha” ou “maternidade”.

“Pássaro azul”, de Ana Rita Duro, da Universidade Nova, aborda o período em que Sarah Affonso se relacionou com a escritora Fernanda de Castro, e reflete a sua influência através de desenhos e pinturas que desenvolveu, alguns em parceria com o marido, inspirados em histórias infantis.

Emília Ferreira, novamente, aborda um período de vida da artista que diz respeito ao início de novecentos e à desejada revolução do ensino artístico e o fascínio pelo novo, que veio mostrar que nem todos os artistas tinham as mesmas oportunidades, o que aconteceu com Sarah Affonso que, não obstante, soube superar os obstáculos e “levou o desenho a todos os recantos da sua vida”.

Estão neste capitulo as reproduções de várias ilustrações que fez para livros infantis, como “Mariazinha em África”, de Fernanda de Castro, “A pombinha branca”, de Maria Isabel César Anjo, “A menina do mar”, de Sophia de Mello Breyner Andresen – estas são, aliás, as ilustrações originais desse livro, publicado originalmente em 1958 -, ou “O crocodilo e o passarinho”, de Madalena Gomes.

Essencialmente conhecida pela sua obra pictórica, Sarah Affonso praticou incessantemente o bordado, e é sobre esta sua faceta artística que a artista Susana Pires se debruça em “Com linhas também se pinta…”, capitulo que deixa ver alguns dos seus bordados, seja em vestidos, colchas, naperons, toalhas, almofadas, como, mais uma vez, em trabalhos de parceria com o marido, como é o caso de um bordado de Castelo Branco sobre desenho de Almada, datado de 1950 e intitulado “Bailarinos”.

Quase no final do livro há um capítulo exclusivamente dedicado à Quinta da Lameirinha, em Bicesse, que comprou com o marido e que foi sendo construída sucessivamente - a casa, o alpendre, a fonte, o atelier, o pomar, o tanque – da mesma forma que lhe foi sendo dado sucessivos usos diferentes: primeiro casa de férias, depois abrigo em tempo de guerra, habitação permanente, e de novo casa de férias, mas sempre “refúgio, cápsula do tempo, lugar de evasão”, explica Aurora Carapinha, autora do texto.

Este capítulo inclui diversas fotografias da quinta, desde a ruína original, até ao resultado final, com todos os componentes agregados – moinho, tanque, horta, poço ou atelier – e fotos do interior.

A terminar esta descrição cronológica e ilustrada da vida e obra de Sarah Affonso, o livro reserva um capítulo final para, numa fotobiografia, fazer uma descrição detalhada e datada da vida da artista, acompanhada de fotos pessoais e de família, cópias dos seus cadernos, cartas e outros escritos.

“Possa este livro, agora nas mãos dos leitores, proporcionar o início de um mais vasto conhecimento e reconhecimento da obra de Sarah Affonso, e lançar a semente de muitas e novas abordagens ao seu legado artístico diverso”, escreve Emília Ferreira, no prefácio da obra.