Um dos autores que celebrizaram a muito utilizada (a seguir a “Ulisses”, publicado em 1922) técnica do “fluxo de consciência”, Joyce já demonstrava antes do seu clássico algumas das características que o tornaram célebre.

Neste caso, a própria elaboração de "Retrato do Artista quando Jovem", que seria o seu primeiro romance publicado depois de anos de recusa (saiu em 1915, um ano depois de “Gente de Dublin”, o seu livro de contos), dá mostras do que viria a ser “Ulisses”: 914 páginas (!) chegaram a ser escritas para representar as vicissitudes quotidianas tal como experienciadas pela mente de Stephen, naquilo que constituiu apenas os primeiros 25 capítulos de um pretendido livro com 63.

Radicalmente reduzida, certamente, saiu essa nova versão aprimorada ao longo dos anos, desde 1907, e que se foca na vida do jovem Stephen Dedalus - desde os seus tempos de infância até à vida adulta, já na universidade.

Nesta “aventura do espírito”, Joyce, então exilado em Trieste antes do seu protagonista chegar a conclusão de que a Irlanda era pequena demais para as suas angústias intelectuais, mistura facetas autobiográficas com uma narrativa que sacrifica factos e lugares dado que tudo, de alguma forma, tem de passar pelo filtro da mente do seu protagonista.

Quando se dão, por exemplo, os primeiros questionamentos de Dedalus a propósito do catolicismo no qual foi criado (face às violentas altercações do pai e de um amigo deste contra os padres e depois de um castigo duro e injusto recebido na escola jesuíta), os princípios e a linguagem que os norteiam são os de uma criança.

O catolicismo, aliás, está sob forte crítica no livro - embora seja objeto de debate até que ponto esta representava a conduta do próprio Joyce na vida real. O mesmo se dá com a complexa questão do nacionalismo irlandês, também discutido no enredo: se, por um lado, Joyce apoiava fortemente o movimento independentista desde a fundação do Sinn Féin, em 1905, e que levaria efetivamente à libertação da Irlanda em 1922, por outro era bem menos apoiante de um nacionalismo que encolhesse a manifestação de um espírito individualista.