A família e a ideia de uma sociedade pós-trabalho são eixos de “A Farsa de Inês Pereira”, na adaptação do texto de Gil Vicente, feita por Pedro Penim, também em verso, que se estreia na sexta-feira, em Évora.
Esta estreia marca o início da digressão do Teatro D. Maria II pelo Alentejo e Algarve, última etapa do território no âmbito do projeto "Odisseia Nacional", cuja programação é apresentada hoje de manhã, no Teatro Garcia de Resende, naquela cidade alentejana.
A peça estará em cena neste teatro, na sexta-feira e no sábado, no ano em que se celebram 500 anos da primeira apresentação do texto vicentino.
Pedro Penim, diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II (TNDM), reescreveu “A Farsa de Inês Pereira” também em verso heptassilábico como o original de Gil Vicente.
O novo texto encerra a trilogia do encenador e dramaturgo dedicada à família, iniciada em 2021 com “Pais e Filhos” e continuada, no ano passado, com “Casa Portuguesa”.
"Apesar de se apoiar neste momento histórico" dos 500 anos, "A Farsa de Inês Pereira" a estrear não é "uma peça que tente fazer uma arqueologia histórica”, disse à Lusa o autor e encenador da nova versão.
Pedro Penim considera “interessante” a coincidência entre os dois momentos históricos, já que se a época quinhentista se pautou pelo início das descobertas e pela importância que o mercantilismo veio a conquistar em termos políticos, e a atualidade é marcada pelo “capitalismo desenfreado” em que vivemos.
Por isso, a Inês Pereira de Pedro Penim não é a donzela quinhentista, em revolta contra as instituições da época, mas uma mulher de hoje, que se debate com os problemas da atualidade e que usa a sua resistência a favor da ideia de uma sociedade “pós-trabalho”, frisou Pedro Penim.
Se, por um lado, revisitar os clássicos continua a fazer sentido no percurso artístico de Pedro Penim – e na sua função de diretor do TNDM, que tem como “missão” revisitar os clássicos -, por outro, fazia sentido uma “reescrita” do texto vicentino, adaptando-o a temas como a sexualidade e a família, já abordados noutros trabalhos anteriores.
A Inês Pereira de Pedro Penim assume deste modo a mesma dimensão de revolta da Inês Pereira do texto vicentino, contestando o poder familiar e a clausura que lhe são impostas, pondo os olhos no futuro.
“Neste caso, 500 anos depois, [Inês Pereira] sonha com 2023 e com um futuro mais justo, onde ela não tem de estar fechada em casa”, frisou o autor e encenador.
Tratando-se de um texto que ainda hoje faz parte do currículo do ensino secundário, Pedro Penim afirma que quem conhece o original “facilmente reconhecerá as personagens”, ainda que estas tenham sido “pensadas exclusivamente para este elenco”.
A Penim, confessa, dá mesmo gozo que “em certos momentos da peça" não seja “completamente nítido” o que é da sua lavra e de Gil Vicente.
Entre as marcas de Pedro Penim no texto está a personagem da mãe de Inês Pereira, Violante Pereira. Interpretada por Rita Blanco, num papel escrito para a atriz, Violante é também “uma personagem revoltada e com sede de justiça social”.
O conflito geracional entre Violante e Inês mede-se na visão que cada uma tem sobre o trabalho: enquanto para a primeira é uma forma de conquista social, para Inês Pereira a conquista social faz-se pela resistência ao trabalho como forma de alcançar uma sociedade pós-laboral.
Sem judeus nem ermitão, Pedro Penim põe ainda em palco Lianor Vaz, desta vez com o nome de Branca Bezerra, uma personagem de “Auto da Barca do Inferno”, também de Gil Vicente.
Com texto e encenação de Pedro Penim a partir de Gil Vicente, “A Farsa de Inês Pereira” tem interpretações de Ana Tang, Bernardo de Lacerda, David Costa, Hugo van der Ding, João Abreu, Rita Blanco e Sandro Feliciano.
A cenografia e os adereços são de Joana Sousa e os figurinos de Béhen.
Além de Évora, a peça terá ainda representações no Centro de Artes do Espetáculo de Portalegre, no dia 4 de novembro, e no Fórum Municipal Luísa Todi, em Setúbal, no dia 11.
O Cineteatro de Amarante, a Casa das Artes de Famalicão e o Teatro Cine de Gouveia são outros dos locais onde deverá ser representada sem que haja ainda datas confirmadas.
O projeto “Odisseia Nacional” de digressão por todo o país, foi iniciado pelo TNDM em janeiro, quando o edifício do teatro, no Rossio, em Lisboa, entrou em obras.
O projeto envolve 93 concelhos, do distrito de Viana do Castelo ao de Faro, aos Açores e à Madeira, e uma programação com centenas de iniciativas que envolvem espetáculos, ações em escolas, ações de formação, intervenções locais e parcerias, conversas, leituras, debates e ainda a itinerância da exposição "Quem és tu? – Um teatro nacional a olhar para o país", com base no acervo do D. Maria, para contar a sua história e, através dela, a história do país.
A conclusão da "Odisseia Nacional" está prevista para o primeiro trimestre de 2024, ainda com iniciativas em diferentes zonas do país.
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