O saber lidar com a morte quando há amor “independentemente de qual é a qualidade ou o género do amor” é a questão fundamental da peça da autora britânica Zinnie Harris (1972), que se estreia no Teatro da Politécnica em 06 de novembro, acrescentou à agência Lusa Pedro Carraca, que a encena.

A peça tem duas representações de antestreia, no Teatro-Estúdio Ildefonso Valério, em Alverca (Vila Franca de Xira), hoje e sábado, às 21:30.

Junto ao mar, um casal de duas mulheres, de quem nada se sabe à exceção de que houve um naufrágio, são as personagens desta peça da autora nascida em Oxford em 1972 e criada na Escócia em cuja capital a peça original (“Meet me at dawn”) se estreou em 2017.

Um casal em que é “perfeitamente indiferente” saber o género, pois tanto “podiam ser dois irmãos, um pai e um filho, dois homens ou um homem e uma mulher”, sublinhou Pedro Carraca, considerando tratar-se de uma das características ”muito engraçadas” da peça e que demonstra também ”muita inteligência da autora”.

Um texto sobre o amor e o luto e ao qual a autora quis imprimir “uma relação com o mito de Eurídice e Orfeu", que aborda a impossibilidade ou a impossibilidade de não se ver mais quem morre.

Robyn (Joana Bárcia) e Helen (Andreia Bento) protagonizam o espetáculo. Duas personagens “que podem ser vistas de uma maneira quezilenta ou que podem ser vistas de uma maneira que, embora enervadas, tentam ter um pensamento positivo e construtivo em relação uma à outra e à situação onde estão”, referiu Pedro Carraca, admitindo tratar-se de outra das dificuldades da encenação.

“Uma das dificuldades da encenação é conseguir parar o primeiro instinto que é a ação/reação dentro da zanga da não compreensão”, referiu. Muito fácil era "transformar isto numa grande zanga de uma hora e meia”, frisou.

Todavia, a autora consegue “subtilmente” pôr as personagens sempre a “tentarem produzir um pensamento que seja na direção do outro, mesmo quando explodem”.

E esta foi, segundo o encenador, uma das coisas que lhe “agradou” no texto: o “cuidado com o outro". O "carinho com o outro mesmo perante todas as adversidades e mesmo perante uma que é completamente impossível de contornar [a morte]”, frisou.

Além disso, o texto tem um lado de “quinta dimensão e de ficção científica”. "Porque embora o texto não seja nada de ficção científica, isto podia ser quase um episódio da quinta dimensão em que há uma pessoa que pede um desejo e esse desejo é concretizado".

Uma “fantasia” que "falta, às vezes, no teatro", observou, e que neste consiste a na possibilidade de se voltar a ver/estar/falar com alguém que morreu.

“Tanto na forma como imaginamos a história e as vidas, como na forma como imaginamos também os cenários e a cena [...], e esta peça permite, realmente, de uma forma que é muito real, ser fantasista”, frisou.

Publicado na coleção Livrinhos do Teatro (Artistas Unidos/Livros Cotovia], a peça chega ao palco depois de há mais ou menos ano e meio, Andreia Bento o ter lido e ter proposto à companhia para o pôr em palco já com Joana Bárcia a interpretar, referiu o encenador.

A proposta foi discutida e aceite na altura sem que se tenha concluído quem iria encená-la. E se de início Pedro Carraca não o quis fazer, “por conhecer demasiado bem as duas atrizes”, acabou por vir a propor-se para a pôr em palco pelas mesmas razões com que de início se escusara.

Na cenografia impera o negro, os tons escuros e jogos de sombras, por opção estética do técnico de luz, Pedro Domingos, mas também do encenador.

Porque o que interessa é que “as palavras se oiçam” mesmo que o público não consiga ver o suficiente das atrizes para perceber o que estão a sentir e a passar.

“A palavra tem que entrar no ouvido para a cena ser completa”, referiu, sublinhando que o que sobressai neste espetáculo é o trabalho das atrizes.

Traduzida por Francisco Frazão, a peça tem cenografia e figurinos de Rita Lopes Alves, luz de Pedro Domingos e Inês Pereira como assistente de encenação.

“Vemo-nos ao nascer do dia” pode ser vista do Teatro da Politécnica até 14 de dezembro, com espetáculos às terças e quartas-feiras, às 19:00, às quintas e sextas, às 21:00, e, aos sábados, às 16:00 e às 21:00.