Não é preciso recuar muito no tempo para perceber as transformações que as redes sociais impuseram, nomeadamente no mundo da televisão.

Nos anos de 1990, um episódio de uma série era visto por todos e ao mesmo tempo. Nos dias seguintes os comentários sobre a história podiam prolonger-se até à mesa do café, mas geralmente não dominavam os temas do dia.

‘Há novas formas de ver televisão, sobretudo por parte das gerações mais novas’

Com o surgimento da internet e das redes sociais, tudo mudou. Com a internet, a forma de consumo dos conteúdos alterou-se e continua em mudança – por exemplo, o Netflix chega a Portugal no outono e levantam-se diversas questões: será que os portugueses vão aderir e mudar hábitos de consumo de entretenimento? Os norte-americanos, por exemplo, estão rendidos. Já os franceses são mais reticentes: apenas meio milhão aderiu ao serviço e, até 2019, é esperado um aumento de 1,5 milhões.

Sara Pereira, investigadora do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, explica que “alguns estudos têm comprovado que há hoje, efetivamente, novas formas de ver televisão, sobretudo por parte das gerações mais novas, que estão mais ligadas ao online e que começam a estar mais arredadas da TV tradicional”.

A forma de ver séries televisivas, em particular, tem sofrido alterações. “Hoje o consumo, sobretudo de séries de TV, é feito muito a partir das plataformas digitais, são novas formas de ver que vão mais ao encontro dos interesses, do tempo e da disponibilidade dos consumidores. Além disso, testemunham alguns jovens, as séries de que gostam e de que são seguidores são disponibilizadas mais cedo na internet, não precisando de esperar tanto tempo para as ver na TV, o que, de acordo, com este público, é uma enorme vantagem”, defende Sara Pereira, Diretora do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho.

“A pessoa sente-se marginalizada porque não tinha conhecimento [do conteúdo do spoiler]”

Se a internet mudou a forma de consumir as séries, as redes sociais vieram prolongar os comentários sobre os enredos, o que nos leva até ao universo dos spoilers, que para Nelson Zagalo, professor de Ciências da Comunicação, existem desde sempre. “Já falávamos de spoilers antes de existir o termo, que apareceu com a internet. Mas antes de existir a discussão dos spoilers, as pessoas já não gostavam que lhes contassem os finais - portanto, não é uma coisa só de agora”, explica.

"A Guerra dos Tronos" é uma das séries cujos spoilers chegam rápido, o que irrita muito fãs da série da HBO. Segundo Nelson Zagalo, o que cria tensão não é o facto de ficar a saber o que vai acontecer, mas sim o facto de haver diferentes níveis de informação: “A pessoa sente-se marginalizada porque não tinha conhecimento e isso provoca tensão e provoca todas aquelas discussões que vemos no Facebook. E, muitas vezes, as pessoas estão stressadas não com o spoiler, mas com tudo aquilo que esse spoiler acarreta”.

Ao contrário de outros conteúdos televisivos, as séries geram muito mais discussão nas redes sociais. Por exemplo, segundo dados da Nielsen Social revelados pela Entertainment Weekly, "Empire" teve em média 627 mil comentários por episódio só no Twitter, seguida de "The Walking Dead" com cerca de 480 mil tweets (pode consultar aqui a lista completa).

Segundo Sara Pereira, “as redes sociais criam mais formas e oportunidades de participação, mas não quer dizer que a participação do público seja maior. É fundamental que haja acesso e meios disponíveis para a participação, mas não é suficiente. Não basta serem criados os meios, é preciso haver vontade e interesse em participar, diria mais: é preciso saber participar num espaço público, como é o das redes sociais”, acrescentando que alguns estudos que realizou indiciam que as séries são os conteúdos mediáticos mais comentados.

“É mais fácil comentar aquilo em que se está envolvido, até do ponto de vista emocional, porque talvez se crie a ideia de que há mais para dizer; fala-se sobretudo da experiência pessoal, do que se gostou mais e menos, reage-se à história, ao que se passou e ao que se vai passar”, defende a investigadora e professora da Universidade do Minho.

“A experiência não se estraga porque eu sei o spoiler”

Com as inúmeras partilhas, o risco de contar o que se passa no enredo aumenta. Para muitos fãs, um spoiler pode estragar a experiência de um episódio. Porém, segundo Nelson Zagalo, alguns investigadores defendem que o spoiler pode ser vantajoso porque “torna o objeto familiar”.

“Há muitos estudos que nos dão várias perspetivas sobre os spoilers e, aliás, do ponto de vista cultural, nós ocidentais temos uma tendência para evitar o spoiler porque queremos maximizar a experiência. Mas a nível asiático não há tanto stress com os spoilers. As pessoas até gostam de saber para ir ver o filme, para saber se vem ir ou não”, explica o professor de Ciências da Comunicação.

Um spoiler estraga o efeito surpresa, o que pode ser frustrante. Mas para Nelson Zagalo, saber o que vai acontecer na série deixa-nos mais atentos: “Se sei o que vai acontecer na série, consigo estar muito mais focado em outros pormenores. Por exemplo, quando falamos de 'A Guerra dos Tronos', tudo aquilo está desenhado ao pormenor para agarrar a emocionalidade e, muitas vezes, as pessoas deixam-se sugar pelas emoções e quase não se apercebem dos detalhes”.

O professor da Universidade do Minho sublinha ainda que é “muito diferente a experiência de uma série como 'A Guerra dos Tronos' e a de um jogo de futebol em que sabemos o resultado, porque a série não se move apenas pelo resultado final, pela morte de A ou de B. Há toda uma quantidade de elementos que criam a experiência”.

As séries, como conteúdos mediáticos globais, são dos assuntos mais falados em todas as redes sociais, que geram um maior burburinho, o que potencia os spoilers, uma forma de nos ajudar a apreciar mais a série, segundo Zagalo. “A experiência não se estraga porque eu sei o spoiler. Saber o que vai acontecer pode ajudar-me a apreciar outras coisas além da história".

Aproveite e deixe a sua opinião em comentário. Os spoilers podem ou não ajudar a ver as séries de outra forma?

@Tiago David

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