É uma das maiores atrizes portuguesas. Versátil, veste com a mesma candura, a personagem mais dramática ou a mais divertida, embora reconheça que a comédia lhe assenta como uma luva.
A iniciar as gravações de mais uma telenovela, Manuela Maria encantou recentemente, e uma vez mais, os espectadores do Auditório Eunice Muñoz, em Oeiras, onde deu vida à tia Maria das Dores, mulher sábia que soube tirar proveito de todos os prazeres da vida.
Ainda se lembra do papel que lhe deram aos cinco anos?
Ouvi o meu irmão recitar um poema no palco, e eu continuei-o na primeira fila da plateia. E foi assim que eu me estreei. O meu pai percebeu que eu tinha muita vontade e disse à minha mãe: «Ela tem de representar, gosta disto!»
Tudo isso na companhia Rafael de Oliveira, onde trabalharam grandes artistas...
É verdade. Fazíamos o final da festa com o Tony de Matos que cantava muitíssimo bem já nessa altura. Eu tinha 5 anos e ele 14 ou 15. E foi assim que comecei a trabalhar. Mais tarde comecei a sonhar com Lisboa. Recortava tudo o que encontrava, porque nessa altura a publicidade das peças fazia-se através de anúncios nos jornais.
Até que conseguiu.
Um dia, já eu tinha 20 anos, estava preparada para representar a Teresa, de «Amor de Perdição», e vieram-me dizer que o Vasco Santana, o filho, Henrique Santana, e a Maria Helena Matos, mulher do Henrique Santana, estavam lá fora para ver o espetáculo. Fiquei tão assustada que disse: «Então eu não entro, tenho vergonha!»
Mas teve de esquecer a vergonha...
A casa estava cheia e não tive outro remédio senão entrar. No fim, o Vasco Santana foi aos camarins cumprimentar-nos e perguntou-me se eu não gostava de vir para Lisboa. Sentia-me tão intimidada com o Vasco Santana ali na minha frente que lhe disse muito timidamente que sim.
E foi assim que o Vasco Santana a apresentou ao Vasco Morgado?
É verdade, foi assim que tudo começou. Devo o início da minha carreira a estas três pessoas extraordinárias. Estreei-me na revista porque naquele tempo os teatros fechavam no início do verão em Lisboa e só recomeçavam em setembro, e lá me arranjaram um pequeno papel no Monumental.
Até que chegou o dia em que contracenou com a Laura Alves sem falar. E foi ela que sugeriu uma falinha para si...
Para mim e para o Nicolau Breyner. Estávamos praticamente a fazer figuração na «Boa Noite Betina», uma peça extraordinária que se estreou no Monumental, em 1960. E assim faço teatro desde os cinco anos, sem interrupção.
Pisa os palcos com o mesmo entusiasmo de há 70 anos?
Completamente. Continuo a amar o teatro da mesma maneira e a fazer teatro com a mesma alegria. Também gosto de provar a mim e aos outros que é possível chegar a esta idade com energia...
O seu registo de comédia tem muita graça. Já o fazia com o seu marido, Armando Cortez. Gosta de fazer rir?
Gosto muito. De resto é um género que está de certo modo em desuso. Fiz muita comédia com o Henrique Santana, a Maria Helena Matos, o António Silva, vi a Eunice Muñoz a fazer comédia brilhante, e seguia tudo o que via com imenso entusiasmo.
Mudou assim tanto a comédia?
Mudou. As pessoas saiam de lá a pensar que havia mais qualquer coisa e isso era muito interessante. E depois há a alta comédia que eu adoro. O público tanto está a dar uma gargalhada como no minuto seguinte está de lágrimas nos olhos...
Mexer com as emoções das pessoas é maravilhoso?
Ainda recentemente fiz no teatro de Oeiras, com a Lurdes Norberto, «Felizmente Não é Natal», a história de duas mulheres que estavam num lar que não eram visitadas pela família, e cada uma tinha o seu filme. A personagem que eu fazia tinha um filho que não ia vê-la há sete anos, mas ela todos os primeiros domingos de cada mês se arranjava para o receber. Era uma grande peça e gostei muito de a fazer.
Também se aprende imenso a representar. É uma vida cheia de emoções?
Vivem-se muitas vidas e aprendemos imenso. Costumo dizer que fazemos um curso de psicologia porque o teatro ensina-nos muita coisa. Vivemos muitas emoções que não são nossas, mas que têm vidas parecidas com pessoas que nós conhecemos. E isso é muito interessante.
Seguiu os passos do seu pai como muitos outros atores, mas o seu filho não...
Nem o meu, nem o filho do Armando. Ambos se estrearam mas não passou daí. Talvez porque nós fizemos muita força para eles tirarem um curso. O meu filho é arquiteto e o filho do Armando é médico.
O seu filho vem sempre ver as suas peças?
Sim, mas foge das estreias. Prefere vir discretamente porque acha que a estreia é um circo. Eu também não gosto de estreias, só venho às minhas porque tenho de vir.
Continua a trabalhar generosamente na Casa do Artista?
Sim, com muito amor. Temos lá 72 residentes e 50 funcionários, já é um grande barco. Trabalho lá em regime de voluntariado e nunca ganhei um tostão. Pelo contrário, se lanchar lá, pago.
Mas orgulha-se daquela obra que ajudou a criar com o seu marido?
Com a Carmen Dolores, convém não esquecer, com o Pedro Solnado (primo do Raul) que foi um tesoureiro extraordinário e com o Octávio Clérigo que também esteve na direcção até 1999. Estivemos 20 anos a lutar pelo projeto.
Quem serão os seus continuadores?
Vão aparecer, mas já temos continuadores muito valiosos como o Luís Aleluia que entrou para a direção. Esta nova geração tem de estar preparada para lhe passarmos o testemunho.
Tem um sorriso tão fácil. Foi sempre assim?
Sempre. Felizmente. Um sorriso resolve tanta coisa, não custa dinheiro e as pessoas ficam muito mais felizes. E eu também!
(Texto: Palmira Correia/Fotos: Bruno Raposo)
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