1986 em Portugal. A segunda volta das eleições presidenciais está intensa e é a mais renhida das lutas do pós-25 de abril: de um lado, Mário Soares; do outro, Freitas do Amaral. Ambos os candidatos estão a investir tudo. Há hinos pop/rock . Há chapéus de palha para os adeptos do "P'rá Frente Portugal de Freitas" e autocolantes com sóis sorridentes para os crentes no lema "Soares é Fixe". A esquerda decide unir-se para assegurar a derrota do candidato da direita, o que obriga os comunistas portugueses a engolir o histórico sapo de votar Soares. A hora da verdade chegará a 16 de fevereiro. No meio do turbilhão, há vidas e histórias de amor.

Este é o ponto de partida de "1986", a nova série da RTP1, criada por Nuno Markl. O primeiro episódio estreia esta terça-feira, dia 13 de março, às 22h00. Logo depois, os 13 capítulos serão disponibilizados  na plataforma de streaming RTP Play.

Antes da estreia, o SAPO Mag conversou com Nuno Markl e com os protagonistas - Miguel Moura e Silva (Tiago), Laura Dutra (Marta), Miguel Partidário (Sérgio), Eva Fisahn (Patrícia), Henrique Gil (Gonçalo) e Adriano Carvalho (Eduardo).

A série é uma produção HOP, realizada por Henrique Oliveira, e conta ainda com Ana Bola, Gustavo Vargas, Mafalda Santos, Anabela Teixeira e Teresa Tavares.

A ideia para a série já não é nova, mas foi ficando na gaveta, contou Nuno Markl ao SAPO Mag. "Esta ideia é muito antiga, na verdade. Já vem do início dos anos 2000. Foi quando comecei a tirar notas para uma eventual curta-metragem chamada 'O Videoclube', que eu achava que era uma maneira de homenagear o Cinema Paraíso do meu tempo - o Cinema Paraíso é mais para o tempo, sei lá, dos meus pais. Era a mística das bobines, das salas de cinema", lembra.

"Falando em nome das pessoas de 40 e tais anos, as cassetes VHS foram para nós uma coisa muito romântica. Então, inicialmente, a ideia era essa. Era uma história de amor entre um miúdo e uma empregada de um videoclube. Depois, passado estes anos todos em que esta ideia ficou a marinar, achei que que era maravilhoso juntar as duas coisas. Uma coisa sobre os anos 1980 em que o videoclube era só uma parte e criar um fresco sobre os anos 1980", explica.

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Mas porquê o ano de 1986? E não 1984 ou 1985? "Acho que fazer uma série sobre os anos 1980 em Portugal, 1986 é o ano ideal. O país estava tenso, estava dividido em dois com as eleições presidenciais mais pop da história. Toda a gente, na segunda volta das eleições, era Freitas ou Soares. Havia autocolantes com slogans", lembra.

"As eleições foram um dérbi gigante presidencial em que o país ficou divido ao meio; a taxa de abstenção foi pequeníssima e, de repente, parecia que toda a gente era Freitas ou era Soares. Achei que esse enquadramento era ótimo para depois criar tensões entre personagens que não são da política, malta do bairro, miúdos, professores, pais. Achei que, para fazer uma coisa nos anos 1980, usar as eleições presidenciais como pano de fundo era o ideal. Tudo encaixou bastante bem", explicou Nuno Markl ao SAPO Mag.

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A vida dos envolvidos na criação da série, a sociedade e o clima político serviram de base para a história. "Podia ser o meu bairro em 1986. Há muita coisa da minha vida nesta série, mas também da vida da minha irmã, a Ana [Markl], da vida do Filipe Homem Fonseca e também da Joana Stichini Vilela, que foi a consultora de época", sublinha. Mas a chuva e o sol dos dias, a programação da televisão também serviram de suporte: "Deu-nos muito gozo criar esta série. A Joana trazia-nos páginas de jornais da época e nós ficámos a saber coisas como, por exemplo, o estado do tempo em cada um dos dias em que se passa a ação. Ficámos a saber a programação da televisão. Ficámos com uma visão muito completa daquela era. E depois são as coisas das nossas vidas”.

A minha mãe, quero dizer com toda a alegria que está viva, ao contrário da mãe do Tiago [o protagonista], que está morta. Portanto, a série não é sobre a minha vida. A ideia é que seja sobre as vidas das pessoas desta idade e que, ao mesmo tempo, seja suficientemente intemporal para cativar pessoas de todas as idades. Acho que há coisas na vida de 1986, que são coisas da vida de 2018.... simplesmente sem redes sociais e sem telemóveis”, acrescenta.

E quem nasceu depois de 1986, o que vai aprender? "Acho que vai aprender alguma coisa sobre uma época bastante tensa da vida portuguesa em que, de repente, o país ficou devido numa espécie de um enorme Benfica - Sporting ou Benfica - Porto... é melhor não me meter em equipas se não vou arranjar problemas.  Vai aprender que há coisas que são, de facto, intemporais, quer se passem em 1986 ou em 1993. Há sentimentos, há traumas e angústias adolescentes que são intemporais. Acho que será algo que se vai perceber na série. A única diferença, neste caso, é que as angústias não podiam ser minorizadas por via das redes sociais ou através dos telemóveis. Não existiam na altura. Foi um desafio escrever uma série em que as personagens não podem simplesmente sacar de um telemóvel que têm no bolso e ligar - têm de arranjar uma cabine telefónica e moedas para conseguirem telefonar umas às outras. Foi muito interessante isso", explica Nuno Markl.

A história e as personagens

Para lá da história do país, em "1986" há uma história de amor, ao estilo de Romeu e Julieta: Tiago, personagem de Miguel Moura e Silva, um jovem nerd de 15 anos, apaixona-se por Marta (Laura Dutra), uma 'betinha' de direita.

"É claro que o Tiago, o protagonista, é inspirado na minha completa inadaptação à vida que ainda hoje é uma coisa que faz parte de mim, que eu aprendi a amar", explica Nuno Markl. Na série, o protagonista é um jovem de 17 anos, meio “nerd”, aspeto frágil, “caixa-de-óculos”, bom aluno, sonhador e sensível.

Miguel Moura e Silva, que veste a pele de Tiago em "1986", conta ainda que a sua personagem "não consegue falar com raparigas e tem um gosto de música que quase ninguém gosta". "O Tiago é uma mistura de mim com o Nuno Markl, mas de uma forma muito exagerada.", acrescenta.

Estamos aqui, com mar p'la frente. A rebobinar futuros
Estamos aqui, a remar contra o presente (genérico da série)

Para o jovem ator, ser o escolhido para protagonizar a série criada por Nuno Markl foi uma boa surpresa. "Antes da série, nunca aspirei ser um grande ator ou aparecer na televisão. Fazia teatro em inglês, no Camões, nada mais. Pensava, ok, vou tirar um curso de Direito, vou ser advogado, ter uma mulher e uma casa. E, depois, cai-me esta oportunidade fantástica ao colo. Foi uma experiência incrível e foi incrível conhecer o Nuno Markl e estas pessoas todas", confessou ao SAPO Mag.

"Cresci num lar muito anos 1980. As minhas irmãs são todas mais velhas do que eu, o meu pai sempre deixou ver os filmes dos anos 1980 e ouvir as canções... por isso, é que eu gosto tanto deste projeto. É muito eu, eu sou muito anos 1980", conta.

Já Laura Dutra dá vida a Marta, a jovem pela qual Tiago se apaixona. "A Marta é uma betinha de direita, muito conservadora e de famílias conservadoras. Depois, o Tiago tem uma paixão por ela", revela, sem adiantar detalhes sobre se a relação tem futuro ou não.

Gustavo Vargas interpreta o pai de Marta. "É um homem algo rude, tem cerca de 45 anos e é o pai de Marta. Dono do videoclube “VideoMagic”, obriga a filha a ir trabalhar para lá em part-time", explica a RTP. Já Mafalda Santos dá corpo à mãe da jovem.

Adriano Carvalho veste a pele do pai do protagonista. Na série, o ator interpreta Eduardo, um intelectual de esquerda, crítico de cinema e membro do Partido Comunista Português. “Eduardo só fala de duas coisas: cinema e política. Vive com Tiago, os dois sozinhos num apartamento, depois da morte da sua mulher Teresa, mãe de Tiago”, explica a RTP na sinopse da série.

Para o ator, “Eduardo é um intelectual de esquerda com convicções fortes”. “Mas o filho quer outras coisas. E a partir daí desenvolve um conjunto de situações à volta da forma como tu cresces, como te formas como pessoa”, revela.

1986
1986

“O pai do Tiago é algo inspirado em algumas coisas do meu pai - o meu era historiador de arte, este é crítico de cinema porque eu percebo mais de cinema do que de história de arte, para poder escrever e para o afastar um bocado disso. (…) O meu pai já não está cá para ver a série... espero que ele a esteja a ver algures, no sítio onde estiver. E que esteja acompanhado pelas minhas duas avós, a avó Maria e a avó Cecília, que, de certa maneira, juntas resultaram na personagem da Ana Bola, que não aparece no primeiro episódio”, explicou Nuno Markl na apresentação da série, no Estúdio da Time Out, em Lisboa.

“A razão pela qual eu exclui a personagem da mãe desta equação - ela aparece só em flashbacks -, é que o meu pai era muito metido no seu universo e eu também sou muito metido no meu universo. E quando, às vezes, há falhas de comunicação, é preciso haver uma mãe que seja um pouco a argamassa de tudo. E a minha mãe foi isso e esta mãe desta série também é isso. Achei que narrativamente era melhor matá-la para que pai e filho, ao longo dos 13 episódios, se descobrirem um ao outro com a dificuldade acrescida de não terem essa pessoas em casa. É só um dispositivo narrativo, mãe”, frisou.

Ana Bola veste a pele da Dona Conceição, de 65 anos, a mãe de Maria de Lurdes (Mafalda Santos)." É a sogra saída de um pesadelo para qualquer genro: não perde a mais ínfima oportunidade para rebaixar e humilhar Fernando. Contrariamente, adora a neta (Marta)", explica o canal.

Já Teresa Tavares dá vida a Alice, a professora de português de Tiago, que gosta de ler as críticas de cinema de Eduardo.

Na série, conhecemos também o grupo de amigos do protagonista: Sérgio e Patrícia, sendo Sérgio o seu melhor amigo. Os três formam um grupo à parte na escola, não sendo muito bem vistos pelos grupos dominantes na escola.

Oiça aqui as playlists que Nuno Markl criou para as personagens

Miguel Partidário veste a pele de Sérgio, um jovem com 17 anos, metaleiro, e é o melhor amigo de Tiago e seu colega de turma. "O Sérgio é um jovem metaleiro, mas não é o clássico: é o metaleiro mais alegre à face da terra. Ele é um cromo, tal como o Tiago. Ele está completamente desesperado para perder a virgindade e obcecado por Iron Maiden”, revelou o ator ao SAPO Mag, acrescentando que a personagem é “capaz de fazer tudo pela sua amada”. 

Já Patrícia é uma jovem de 17 anos, gótica e com o discurso de trevas a condizer. Eva Fisahn foi a escolhida para o papel. "Adoro a minha personagem e acho que é uma personagem muito engraçada e divertida. Adorei fazer este papel”, frisou.

O protagonista conta ainda com uma espécie de rival, o Gonçalo. O jovem de 18 anos  é o típico betinho bully da escola e colega de turma de Tiago, Sérgio e Patrícia. “Com bom aspeto, mas um pouco limitado intelectualmente, faz a vida negra a todos os grupos alternativos da escola”, explica a RTP.

A personagem do “betinho” é interpretada por Henrique Gil. “A minha personagem é o betolas que tem a mota. É o miúdo fixe da escola porque é o que tem mota... mas bate no protagonista, basicamente. Ao mesmo tempo, tenta conquistar o coração da Marta. Não sabemos e vai conseguir, vão ter de ver”, explicou o ator, acrescentando que aprendeu algumas coisas com a série: “Eu não tinha ideia que esta eleição entre o Mário Soares e o Freitas do Amaral tinha sido tão movimentada e que tinha envolvido tanta gente, incluindo os jovens”.

O videoclube da série também tem um papel importante na história.  Fernando, personagem de Gustavo Vargas, é dono do estabelecimento e o pai de Marta. Mas o grande especialista é Tó: “Tó é um jovem com cerca de 25 anos, que trabalha no videoclube de Fernando. Adora ver filmes pornográficos às escondidas, mas Tó é acima de tudo o responsável pela rádio Boa Onda, uma rádio pirata a operar a partir da garagem de sua casa. O facto de ser apoiante de Mário Soares é um problema”, explica o canal em comunicado.

"O Tó é um bem disposto que trabalha no videoclube e que tem uma rádio pirata. Acaba por ser uma ponte entre a geração mais velha e a mais nova. Ele está no meio. É miúdo como eles e adulto como os outros”, explica Tiago Garrinhas, que veste a pele de Tó.

“Quando eu era pequeno, o meu pai tinha um videoclube e acabou por ser um bocado nostálgico. Não me lembro dessa altura, mas lembro-me dos meus pais me contarem as histórias e o que se passava no videoclube”, contou, ainda, o ator ao SAPO Mag.

A banda sonora: "uma canção pop de 13 horas"

Nuno Markl desafiou João Só para a criação da banda sonora da série. “O que propus ao João Só foi que viajasse até um ano em que ele nem sequer ainda tinha nascido para criar canções que pudessem ter sido gravadas nessa altura. Felizmente, o João junta um talento gigante ao facto de ser uma enciclopédia vida de música e, para ele, não houve nenhuma montanha alta demais. Ele não só conhece toda a Música, como trabalha em qualquer estilo, sempre sem deixar de ser ele próprio”, explica o criador da série na descrição que acompanha o disco “1986”.

"A série é como uma canção pop de 13 horas", acrescenta.

João Só, Lena D’Água, Ana Bacalhau, Catarina Salinas, David Fonseca, João Só, Márcia, Miguel Araújo, Samuel Úria e Tatanka (vocalista dos The Black Mamba) são as vozes das canções do disco da série, com lançamento marcado para 16 de março. “O disco é o Lawrence da Arábia das bandas sonras de séries sobre os anos 1980. Um épico em que os caprichos de um escriba foram graciosamente seguidos por um bando de talentosos artistas que podiam estar a fazer outras coisas, mas entregaram-se a este desvario com comovente entusiasmo. A minha ideia: criar avatares musicais das personagens principais”. acrescenta Nuno Markl.

"O Nuno começou a falar-me desta série no verão e perguntou-se se não queria ir às gravações. Isso foi na altura em que tive a bebé e não consegui. Mas fiquei maluca com a ideia da série. Depois, um mês ou dois depois, ele ligou-me e disse: ‘épá, estamos a fazer uma banda sonora. Não queres participar?’. ‘Por amor de deus, eu só quero participar já’. Então, assim foi. Depois o João Só mandou-me a música e fiquei completamente vidrada naquela canção”, contou Ana Bacalhau ao SAPO Mag.

“A banda sonora está perfeita, é uma cápsula do tempo”, frisa. “Eu tinha oito anos em 1986 (…) Esta série é uma referência à minha própria viva. As personagens fazem parte da minha vida, conhecia pessoas muito parecidas”, acrescenta a cantora que dá voz ao tema "Pensamos no Futuro Amanhã" [oiça aqui].

As canções de “1986” são apresentadas ao vivo em maio, em Lisboa, no espetáculo Concerto por um Novo Futuro.

A Associação Novo Futuro organiza pelo oitavo ano consecutivo, o concerto solidário de angariação de fundos - Concerto por um Novo Futuro – ‘1986’, marcado para 17 de maio na Altice Arena”, refere a promotora Música no Coração em comunicado.

1986
1986

No espetáculo, que contará com a participação especial de Lena D’Água, atuam Ana Bacalhau, Catarina Salinas, David Fonseca, João Só, Márcia, Miguel Araújo, Samuel Úria e Tatanka (vocalista dos The Black Mamba).

Do alinhamento do concerto fazem parte “as canções originais da série ‘1986’ e outros tantos clássicos da época inspirados na viagem aos anos 80, que nela se retrata”.

“Vai ser Revenge of the 80’s. Vai ser brutal. Além de cantarmos as canções todas da banda sonora, vamos cantar outros temas dos anos 1980”, conta Ana Bacalhau.

Aproveite para recordar algumas canções que marcaram as festas dos anos 1980:

“1986” estreia esta terça-feira, 13 de março, na RTP1. Todos os episódios da série serão disponibilizados no serviço de streaming do canal, o RTP Play.