“A Floresta das Almas Perdidas” parte de uma premissa singular: um homem mais velho (Jorge Mota) e uma jovem (Daniela Love) encontram-se num lugar para onde as pessoas vão com um simples intuito, o do suicídio. No entanto, nem tudo é o que parece.
José Pedro Lopes, na sua primeira longa-metragem, avança por uma proposta estética rebuscada, marcada pela banda sonora barroca e intencionalmente ostensiva de Emanuel Grácio, com planos fixos de grandes cenários. Antes da exibição no Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa (FESTin) este domingo, o SAPO Mag conversou com o realizador.
Em primeiro lugar, por que não se fazem filmes de terror em Portugal?
Os filmes de terror são mais exercícios pessoais pois não são financiados pelo ICA. Em 2007, houve o “Coisa Ruim”, do Tiago Guedes, um filme de terror com fantasmas numa aldeia do interior. Até teve sucesso, mas não houve seguimento. Há pouca tradição de filmes de terror em Portugal e não há uma cultura de ver filmes portugueses. Na América Latina, por exemplo, as pessoas adoram filmes de terror, no Reino Unido até a lotaria financia cinco ou seis produções por ano. Aqui os projetos acabam por ser patrocinados pelo Estado, que entende que os filmes de género não têm interesse cultural e acaba por não financiá-los. Assim, este cinema fica reduzido às iniciativas que são de muita paixão e muita boa vontade, por isso é normal que surjam poucas.
O filme é muito marcado pela conceção visual e sonora, mais do que a história em si. O que veio primeiro?
O projeto começou num fórum de produções organizado pelo FEST, de Espinho, e apresentei lá o conceito da floresta dos suicídios, que existia no Japão, com uma história onde duas pessoas se encontravam lá. A seguir havia um 'twist' onde se entrava num contexto de terror – bastante inspirado no “Audition”, do Takashi Miike. Aí tens o relacionamento entre um homem mais velho e uma mulher mais nova. Depois trabalhei na ideia e juntei à outra história que queria abordar e que envolvia um membro da família que se tinha suicidado. As duas premissas uniram-se. Em termos visuais e sonoros, a minha ideia era fazer uma obra de terror artístico, com uma transição de géneros. Aí a estética era muito importante, de onde também vem o facto do filme ser em preto-e-branco, tal como viver muito dos cenários em grandes planos e da banda sonora ser sempre presente. “A Floresta das Almas Perdidas” é feito por um cinéfilo, gosto muito do cinema de John Carpenter e da composição de planos que ele faz nos trabalhos dele, assim como dos ambientes sonoros dos filmes do Dario Argento – queria algo barulhento.
Queria um efeito barroco, como nos filmes italianos dos anos 70...
Sim, o próprio nome, “A Floresta das Almas Perdidas”, foi inicialmente pensado nesta base, com os títulos muito carnudos e adjetivados. O problema é que o filme levou quatro anos a ser feito e, durante o percurso, vais tendo ideias e juntando. Prefiro assim, de jogar pelo “mais” e não pelo “menos”. Há filmes que pretendem atingir o mais simples possível; eu prefiro o exagerado.
Algumas cenas foram filmadas em Espanha e na Rússia.
Em Portugal, as filmagens decorreram em Águeda, Cabeço da Neve, no Caramulo, no Porto e em Vila do Conde. Há um lugar muito importante no filme que gira em torno de um glaciar, um lago sem corrente, vindo do degelo. Isto foi filmado no Parque Natural da Sanábria, em Zamora, Espanha. É um lugar visualmente fantástico e é a cena do filme que toda a gente se recorda. Apesar da inspiração inicial ser de um lugar japonês, o filme tenta buscar o imaginário português. No tempo de Salazar, por exemplo, muita gente desaparecia em Trás-os-Montes. Em relação à Rússia, foi uma questão de oportunidade, é a cena inicial filmada pelo diretor de fotografia, o Francisco Lobo. Ele ia à Rússia e foi a este parque conhecido por ter árvores com cadeados e onde estava sempre a nevar. Então, disse-lhe para experimentar uns planos para tentarmos juntar ao filme. A ideia era simbolizar o isolamento e reforçar os elementos românticos e trágicos através dos cadeados.
Apesar de um notório fã de filmes de terror, você evitou o 'gore', a maioria das ações violentas decorre fora-de-campo.
O 'gore' não beneficiava o filme pois a ideia era mostrar um homicida como um personagem supérfluo e que não tem nada de ‘fixe’. O ‘gore’ torna tudo muito estilizado e o objetivo é fazer tu achares piada ao vilão, como o Freddy Krugger. Não queria qualquer tipo de simpatia para o meu homicida.
Aí entra-se na questão das suas motivações...
Nos filmes de terror a noção que temos é que os maus são fisicamente possantes, representam valores conservadores reprimidos, o irmão abandonado, o deficiente discriminado… Há a ideia do antagonista representar valores antigos e os protagonistas os valores modernos. Queria o contrário, que fosse um vilão muito moderno a atacar uma família tradicional. Ele faz uso de telemóveis, de redes sociais, lê citações do Wikipedia e é banal. De resto há uma referência negativa à forma como a sociedade evoluiu, sou muito cético em relação à abordagem supérflua que as redes sociais trouxeram em relação, por exemplo, aos problemas ideológicos. Não é um problema geracional, pois não são apenas os jovens a aderir a estas ferramentas.
Para um primeiro filme também optou por uma história trágica e triste...
Todo o componente da família que sobrevive ao suicídio é uma história que me diz bastante a nível pessoal e é um tema que me interessou bastante. Por outro lado, à parte a violência oportunista, também sempre me incomodou que em grandes catástrofes, como a do Haiti em 2010, com tanta gente morta e desalojada, apareceram pessoas para raptar crianças para escravatura sexual ou de trabalho. Num cenário de extrema fragilidade aparece alguém para tirar partido disto. E acho que esse oportunismo é crescente. No filme trata-se de uma pessoa que tira partido de um suicídio.
Já tem previstas novas aventuras em longa-metragem?
Nós temos ideias de outros filmes que queremos fazer, criar no futuro para corrigir tudo que fizemos de mal neste. Queremos ver como vai ser em termos de receção e distribuição. Depois foi produzido por nós mesmos e talvez o ideal para o futuro seja uma coprodução internacional.
Sempre a pensar em financiamentos lá fora, nunca do ICA, por exemplo...
Dentro do cinema de género nunca seria o ICA pois não é do interesse deles. Não significa que não façamos projetos mais na linha do que eles gostam. Pessoalmente, como contador de histórias, a minha tendência é orientar o meu trabalho para o cinema de género, mas não sou o único a filmar na minha produtora, a Anexo 82.
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