Na segurança do aeroporto, Catarina reencontra inesperadamente Diogo, uma antiga paixão, e os subentendidos e desentendimentos acumulam-se ao longo do sempre complexo procedimento de embarque. Eis a premissa de “Última Chamada”, título português de “Final Call”, que tem a particularidade de todas as personagens serem animais. Trata-se da mais recente curta-metragem de Sara Barbas, a realizadora e animadora portuguesa que ganhou tarimba a trabalhar para a britânica Aardman, em filmes com a Ovelha Choné ou a dupla Wallace e Gromit.

No Dia Internacional da Animação, o SAPO Mag voltou a falar com uma das cineastas mais internacionais da Sétima Arte nacional.

 O “Final Call” parece ser um filme verdadeiramente internacional: por um lado decorre totalmente num aeroporto, por outro a sua criação arrancou na Dinamarca, passou por Bristol e Lisboa e, por via do 'crowdfunding', deve ter tido participações de todo o lado. Como evoluiu a produção do filme?

Tudo começou na ASF - Animation Sans Frontières 2010/2011, um curso verdadeiramente internacional em que 16 recém-graduados e jovens profissionais europeus vão oito semanas para quatro das melhores escolas de animação para aprender sobre o desenvolvimento, pré-produção, produção, pós-produção e distribuição de animação em todas as suas vertentes (lineares ou interativas). Os quatro módulos, de duas semanas cada um, têm lugar na Filmakademie of Baden-Wurtemberg, Institute of Animation, Visual Effects and Digital Postproduction (Ludwigsburg, Alemanha), na MOME - The Moholy-Nagy University of Art and Design (Budapeste, Hungria), na The Animation Workshop (Viborg, Dinamarca) e finalmente na Gobelins - Ecole de l'image (Paris, França). Em paralelo com as 'masterclasses', 'workshops', visitas aos estúdios, desenvolvemos projectos pessoais e tivemos oportunidade de apresentar as nossas ideias a um painel internacional em Paris.

Foi aí que a escola dinamarquesa me convidou para uma residência artística para começar a desenvolver o meu projecto - escrevi o guião, trabalhei no desenvolvimento gráfico e fiz o primeiro dossier de projecto. Mais tarde, recorri à plataforma de 'crowdfunding' para conseguir levar ao projecto mais adiante. E assim foi: pude envolver outros artistas que me ajudaram com o desenvolvimento dos cenários e a completar o 'storyboard' e 'animatic' do filme inteiro. Houve muitas produtoras de vários países interessadas em fazer o filme mas por diversos motivos essas parcerias não se concretizaram.

Houve um ponto em que o filme iria ser feito em animação de volumes na Polónia e fui convidada a ir a Lødz conhecer a equipa. Depois de muitos altos e baixos voltámos a concorrer em Portugal pela Animanostra (que era sempre o meu plano e desejo original) ao concurso das curtas metragens do ICA - Instituto do Cinema e Audiovisual e tivemos sucesso! A Animanostra (o estúdio em que fiz o meu primeiro estágio e onde comecei a trabalhar em animação em 1997) foi a produtora maioritária e as co-produtoras minoritárias foram a The Animation Workshop (acima mencionada) e a nova Star and Pixel – a produtora que fundei com o meu amigo, co-produtor e 'sound designer' Jan Meinema no Reino Unido. Quanto à equipa, temos representantes de nove países diferentes. O 'setting' do aeroporto foi muito apropriado.

Pelo menos na Europa, ainda faz sentido falar numa animação nacional (portuguesa, inglesa, francesa…) quando cada vez mais cada filme reúne talentos que vêm um pouco de todo o lado?

Embora essas fronteiras estilísticas estejam cada vez mais esbatidas, acho que ainda há uma estética, tom e cultura próprios de cada país. Mas de facto muita gente comentou que o meu filme tinha influências de muitos lados – quase difíceis de especificar –, disseram que tinha toques franceses e até japoneses.

De onde surgiu a ideia para o filme?

O filme procura explorar as dúvidas com que nos confrontamos quando tomamos uma decisão. Já todos sentimos que alguma vez poderíamos ter feito algo, dito algo que iria transformar as nossas vidas. É um 'E se?'. 'E se tivesse ido? E se tivesse ficado?', ou 'E se tivesse dito algo? Ou ficado calado?'. Trata assim do problema de (não) se perder uma oportunidade, de agarrar o momento. A inspiração para “Última Chamada” surgiu de uma história verídica. Embora tenha acontecido num contexto diferente, a sensação de se ter perdido uma oportunidade pareceu-me tão forte que decidi tentar reproduzi-la. Além deste aspeto, como viajante assídua passei horas infindas nas filas intermináveis dos aeroportos; esses lugares de transição, de chegadas e de partidas. Neste caso particular, utilizei a zona de controlo de segurança – um local onde todos têm que passar e sujeitar-se a um processo quase humilhante: ter que se despir parcialmente, descalçar, abrir malas, exibir portáteis, deixar que radiografem os nossos pertences e nos revistem. Fica-se sempre com a sensação de se ter feito algo de errado.

Também quis contar esta história num mundo onde os peões são animais. Ao fazê-lo pude exacerbar certos aspectos da história, da temática e da personalidade de cada uma das personagens. Os animais que escolhi têm conotações e comportamentos próprios e particulares que projectam variações nas sensibilidades e potenciam níveis diversificados de fruição da narrativa. Foram estas três ideias que usei como base para "Última Chamada". Quero que o público ao se identificar com as situações descritas e ao projectar as suas próprias experiências, acabe por sair da sala com a sensação de que deve aproveitar cada momento.

O “Última Chamada” foi desenvolvido em paralelo com o “Zootrópolis”. Vês pontos de contacto no conceito dos dois filmes?

Adoro o “Zootrópolis” – é uma honra se houver paralelos! Desconhecia da sua existência até que saiu este ano pouco antes do nosso filme estar acabado – e fiquei muito baralhada com algumas das semelhanças. Suponho que cresci a ver filmes da Disney (entre outros) e essas influências ficam para sempre. Brincar com um universo de animais antropomórficos é uma delícia.

Que percurso vai fazer agora o filme?

O filme foi convidado a estrear em Bristol no Encounters - 22nd Short Film and Animation Festival em Setembro e foi muitíssimo bem recebido. Foi incrível testemunhar as reacções do público no cinema - riram-se às gargalhadas e sustiveram a respiração onde eu queria! Estamos agora a enviá-lo para festivais à volta do mundo. Estou à espera de respostas. Depois de fazer esse circuito é possível que nos sugiram contractos de distribuição ou então lançamos o filme online.

Como está a correr o projeto da longa-metragem “Oddsockshire”, apresentado em Annecy há alguns anos?

Com duas crianças pequeninas, a produção da curta metragem, guiōes para séries da Aardman e BBC e a dar aulas no Leeds College of Art, algo teve de ceder - e foi o “Oddsockshire”! No entanto tenho uma distribuidora internacional pacientemente à espera de quando estiver pronta para avançar com o guião. Está no 'back-burner', como dizem aqui – mas hei-de revisitá-lo.

A Aardman acabou de anunciar uma nova longa-metragem do “A Ovelha Choné”. Poderá ser um dos teus projetos futuros ou haverá mais coisas no horizonte?  

Adoraria fazer parte da equipa da nova longa metragem, mas não houve avanços nesse sentido – eles vão reunir a equipa principal da primeira longa do "A Ovelha Choné". Vou avançar com projectos pessoais e co-produçoes através da nova Star and Pixel, quero muito voltar a trabalhar com a Animanostra em projectos de autor e vou regressar à Aardman para a semana – vou animar no departamento de publicidade. Vai ser divertido voltar a meter as mãos na massa depois de tanto tempo.

"Última Chamada" (teaser)