No papel parecia ser uma maravilha: um livro escrito por uma mulher que ia ser adaptado ao cinema por uma mulher e realizado por outra. Algo nunca visto em Hollywood para um projeto tão importante.

Na prática, a relação entre a escritora E.L. James, a argumentista Kelly Marcel e a realizadora Sam Taylor-Johnson na produção de «As Cinquenta Sombras de Grey» foi penosa. De tal forma que a mulher que escreveu a adaptação para o grande ecrã ainda não conseguiu ver o filme.

Num
podcast com o escritor Bret Easton Ellis, que também cobiçou fazer a adaptação do sucesso literário, a argumentista confirmou que a sua abordagem foi inicialmente recebida com entusiasmo pelo estúdio, mas quando entregou o primeiro rascunho percebeu que E.L. James, que tinha um contrato que lhe dava um grande controlo sobre o produto final, apenas aprovaria uma versão que se mantivesse muito próxima das famosas frases do livro por sentir que só isso seria aceite pelos fãs.

«Eu não queria que a história fosse linear. Queria começar no fim do filme e encontrar-mo-nos a meio», recordou. «Portanto, começávamos com o espancamento e tínhamos este tipo de flashbacks ao longo do filme. Queria tirar a parte da «deusa interior» e todos os monólogos internos da Anastasia [Dakota Johnson]. Queria remover muitas das frases. Senti que podia ser mesmo um filme sexy se não tivesse tanta conversa nele».

Eventualmente, as duas trabalharam em conjunto e chegaram a uma versão de compromisso, mas o processo fê-la sentir-se não um elemento criativo, mas uma peça da engrenagem e existiu um momento em que Kelly Marcel percebeu que a prioridade do estúdio não era fazer de «As Cinquenta Sombras de Grey» um grande filme, mas ganhar com a lucrativa marca: o argumento podia não estar pronto, mas os prazos nunca estiveram em causa.

«Estávamos a semanas de começar a rodagem (...), percebi que isto não é sobre o filme. É sobre o facto de estarem a ser alinhados carros da Audi para saírem nesta data [de estreia]. Existem brinquedos e merchandising e todo o género de coisas que são muito mais importantes financeiramente do que o filme e tudo tem de cumprir a data. Portanto, este filme tem de ser feito não importa o que esteja no papel porque tem de estar pronto numa certa data para cumprir [as exigências do] o gigantesco conglomerado que o rodeia.»

Marcel acabou por abandonar a produção após Charlie Hunnam ser escolhido para ser Christian Grey. O ator, que tem experiência em escrita, tinha notas sobre o argumento, mas os produtores optaram por não as levar a Marcel mas trazer um novo argumentista, Patrick Marber. Após algumas semanas, também Hunnam abandonou o projeto e foi substituído por Jamie Dornan.

No fim, Kelly Marcel ficou com o «coração partido» e não viu o filme, apesar de afirmar que não ficou zangada com a experiência.

«Não o digo por qualquer forma de amargura ou rancor ou algo parecido. Apenas acho que não consigo vê-lo sem sentir alguma dor por ser tão diferente do que inicialmente escrevi».

Eles quase foram Christian Grey e Anastasia Steele