Catarina Wallenstein estreou no IndieLisboa (encerrou a 12 de maio) o seu primeiro trabalho na realização, feito em parceria com o cineasta brasileiro Felipe Bragança: "Tragam-me a Cabeça de Carmen M.” ainda não tem data de estreia em Portugal e, depois de duas sessões no festival, segue para o circuito de eventos internacionais.
O SAPO Mag conversou com ambos numa tarde ensolarada no parque da Culturgest, onde abordaram um dos temas subjacentes ao filme – o momento sombrio da política brasileira, marcado pela eleição de um presidente que, conforme interpreta Felipe Bragança, carrega consigo um projeto de destruição identitária.
A identidade é o tema central desta alegoria, composta de diálogos filosóficos, signos do passado e acontecimentos do presente – numa espécie de “voo livre” para tentar entender um pouco de um país complexo. Assim também surgiu a figura de Carmem Miranda, atriz nascida em Portugal que se tornou um ícone no Brasil, especialmente através do seu sucesso em Hollywood nos anos 30 e 40 do século passado.
“Cadáver esquisito”
Catarina Wallenstein e Felipe Bragança conheceram-se por causa da participação da atriz no último projeto do cineasta, “Animal Amarelo”, uma coprodução entre o Brasil e a portuguesa O Som e a Fúria.
Segundo contam, as conversas para um futuro projeto surgiram a partir de uma cena musical do filme, o que os levou a discussões sobre a música e o imaginário brasileiro.
Criado inicialmente a distância pois Felipe Bragança vive no Rio de Janeiro, o projeto começou a ganhar corpo quando Catarina Wallenstein se mudou para a cidade brasileira e começaram os ensaios, os improvisos, a criação dos diálogos.
“Foi um filme que aconteceu connosco, não estava tudo no papel”, diz ela.
O caráter de improviso, no bom sentido da palavra, também concede amplas liberdades para uma intérprete. Já tinha a atriz trabalhado num projeto assim?
“Não, nunca tinha entrado neste lado da autoria, num processo criativo onde há lugar para a transformação. Mas também é isso que aprendemos numa escola de atores, somos treinados para procurar, não apenas para encontrar pronto”, explicou.
O cineasta complementa: “Os melhores atores não são, muitas vezes, aqueles que se limitam às suas falas. O bom ator é aquele que desafia o texto”.
“O Brasil só existe enquanto utopia ou como anedota”
A frase de "Tragam-me a Cabeça de Carmen M.” encerra um certo gosto amargo de distopia que se espalha pelo filme, uma vez que foi sendo montado precisamente na altura em que um candidato com discurso populista e violento se tornava o provável futuro presidente do Brasil – o que veio a se concretizar.
Felipe Bragança observa: “Com essa ascensão da extrema-direita, que carrega um projeto de negação da identidade brasileira, quisemos refletir: que Brasil é esse que se quer destruir? O que é que se vai perder? Penso que o atual presidente associa como traços a serem destruídos no Brasil os do sentido de humor, da criatividade, do improviso, da imaginação – para além da miscigenação racial”.
Para o cineasta, esse processo destrutivo já está em curso e um bom exemplo são os cortes na Educação: "Querer combater o crime com violência e não com educação é muito triste".
Mas apesar deste cenário pré-apocalíptico, ambos acreditam que ainda pode ver espaço para a resistência, de um lado, e para alguma esperança de outro.
"Sem desvalorizar os efeitos do que se está a passar, tenho a sensação de que há uma poesia na vida brasileira que vai sobreviver ao que está a acontecer", diz Catarina Wallenstein.
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