Basta olhar para as ruas, sentar numa mesa de um restaurante, ir a uma sessão do festival de cinema de animação para perceber que, se algum talibã por ali passasse, pouca mão-de-obra sobraria na animação portuguesa.

É rotina, tradição, regra sagrada. Todos os anos na semana de Novembro em que se realiza o
Festival Internacional de Cinema de Animação de Espinho, o resto do país fica despojado de artistas do desenho animado. O SAPO juntou-se à festa para fazer o diário de um fim-de-semana prolongado no
Cinanima.

Os realizadores que já receberam prémios internacionais e para quem todos olham com reverência, os novos, de pasta debaixo do braço a ver se furam no meio, e todos os outros que trabalham nos poucos “estúdios” portugueses vão chegando ao longo da semana para se juntarem à cimeira de chefes de estado. Porque no
Cinanima os primeiros dias de festival são para inglês ver. Ou para os convidados internacionais que não podem escapar à função de jurado. Ou para as escolas da zona que vão ajudando a compor as salas.

À segunda-feira a imprensa do Norte vai lá ver o que se passa, à terça e quarta as salas estão a meio gás, e a partir de quinta o
Centro Multimeios de Espinho, casa do festival, lá começa a formar amontoados de conversadores em pé pelos corredores do espaço.

Este ano a palavra crise também é convidada. Ouve-se aqui e ali que, mesmo os dias habitualmente mais fracos o estão ainda mais. À quinta-feira à noite, no entanto, já conseguimos antever que o fim-de-semana vai ser como sempre: cheio e carregado dos cérebros animados que ali se juntam para pensar um ofício que só serve para os que persistem.

Os tempos livres estão contados. As sessões de competição internacional são obrigatórias. É nelas que estão as novidades, as curtas-metragens que podem vir a chegar ao Óscar. É onde todos estão. Ao Sábado, há uma outra sessão santificada: a do
Prémio António Gaio, onde estão os filmes portugueses em competição e onde todos se elogiam mutuamente enquanto rezam secretamente para que seja o seu filme a levar o prémio.

Depois, há os jantares. O que começa numa refeição para dois acaba geralmente numa mesa de trinta. E todos sabem que se come bem em Espinho. É à mesa que se trocam ideias para projectos, se descobre que afinal aquele animador já não está a trabalhar em Portugal ou que o outro realizador está a trabalhar num novo filme. E nunca, mesmo nunca, há quem consiga chegar a horas à sessão da noite.

Os atrasos são desculpados. Como no Cinanima todos se conhecem e a presença de todos importa, a organização dá um jeitinho e aguenta o projector até que a nata da animação portuguesa esteja devidamente sentada na sala. Começa a sessão.