O professor universitário Carlos Reis procurou hoje demonstrar, em Coimbra, como na obra literária de Eça de Queiroz existem “sugestões de representação” que antecipam a arte do cinema que depois nasceu.

No século XIX, diversos escritores “tiveram a capacidade de inscrever dispositivos fílmicos na sua ficção”, disse o professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC), ao proferir a última lição com que assinalou a sua jubilação após mais de 40 anos de carreira académica.

“A partir de vários textos de Eça (também, mas em menor escala, de outros autores), trato de mostrar que em vários dos romances queirosianos existem sugestões de representação que antecipam a grande arte da imagem que há de chegar: o cinema”, afirmou Carlos Reis à agência Lusa à margem da cerimónia.

O especialista em literatura portuguesa, com destaque para Eça de Queiroz (1845-1900), apresentou, no auditório da Reitoria da Universidade de Coimbra, uma lição intitulada “Para uma releitura intermediática da ficção queirosiana”.

Ao iniciar a sua intervenção, esclareceu que não iria analisar as várias “adaptações de obras de Eça ao cinema”.

Carlos Reis já tinha antevisto à Lusa que iria “evidenciar como certos olhares de personagens, certos movimentos de descrição de espaços e movimentos das ações narrativas correspondem ao que depois foram os grandes signos da representação fílmica”.

Por exemplo, no romance de Eça “Os Maias” – e já antes em “O Crime do Padre Amaro” e “A Relíquia” – “há panorâmicas, ‘travellings’, grandes planos sobre pormenores e hipóteses de montagem”, com conexões ao cinema.

“A ideia geral que subjaz a esta análise é a seguinte: os atuais estudos narrativos não encerram a narrativa no campo da literatura. Ela dialoga com o cinema e também com a televisão e com o romance gráfico, que em muitos aspetos ‘aprenderam’ com os grandes romances oitocentistas”, explicou nas declarações antes da aula derradeira.

Já na sala, perante mais de 100 pessoas, Carlos Reis salientou que, em finais do século XIX, verificava-se em alguns autores uma tendência literária “como se a imagem começasse a substituir a palavra”.

A propósito, o professor da FLUC enumerou alguns “episódios cinematográficos” da obra queirosiana, quando a imagem era “ainda relativamente precária para contar” uma história.

“O cinema já está inscrito em vários romances” oitocentistas, cujos autores “tiveram a capacidade de inscrever dispositivos fílmicos na sua ficção”, sublinhou, reiterando que também “assim é com Eça de Queiroz”.

Alguns dos seus textos revelam um “potencial intermediático”, bem como “virtualidades fílmicas”, como que “a hipótese de um filme” a conceber.

Da vida académica de Carlos Reis, natural de Angra do Heroísmo, na Região Autónoma dos Açores, destaca-se o seu contributo para os estudos literários, em especial sobre a literatura portuguesa.

Entre outras obras, é autor de “Estudos Queirosianos” (1999), “Pessoas de livro. Estudos sobre a personagem” (2015) e “Dicionário de Estudos Narrativos” (2018).

O professor universitário e ensaísta, nascido em 1950, foi agraciado com o Prémio Eduardo Lourenço e o Prémio Vergílio Ferreira, em 2019 e 2020, respetivamente.

A professora Ana Paula Arnaut, que organizou a sessão com a colega da FLUC Ana Teresa Peixinho, ambas antigas alunas de Carlos Reis, anunciou que, em setembro de 2021, a Universidade de Coimbra vai acolher um colóquio de homenagem ao docente agora jubilado, subordinado ao tema “As palavras invisíveis”.

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