
O Festival de Veneza começa na quarta-feira com o regresso da realeza de Hollywood à elegante montra cinematográfica italiana, onde 21 filmes de todo o mundo vão disputar o prestigiado Leão de Ouro.
Julia Roberts e George Clooney são os maiores nomes esperados na 82.ª edição do festival mais antigo do mundo, com uma comitiva de respeitados realizadores, de Kathryn Bigelow e Guillermo del Toro a Jim Jarmusch, todos prestes a chegar ao Lido arenoso, do outro lado da Lagoa de Veneza.
Ao lado das estrelas e da atmosfera reluzente, estão filmes que prometem provocar debate, como o filme sobre Gaza "The Voice of Hind Rajab" ("A Voz de Hind Rajab", em tradução literal), do duas vezes nomeado aos Óscares Kaouther Ben Hania.
Antes do início do festival, um grupo de profissionais do cinema italiano pediu aos organizadores para não se calarem sobre a guerra em Gaza, e um protesto no Lido está marcado para sábado.
O diretor artístico do festival, Alberto Barbera, disse à agência France-Presse (AFP) estar a assistir a "um regresso à realidade" por parte dos cineastas.
Os realizadores estão hoje "a refletir sobre os principais problemas que nos afligem diariamente a nível global, desde as guerras ao regresso da ansiedade nuclear, obviamente a ocupação de Gaza e da Palestina, mas também as muitas ditaduras a ressurgir em todo o mundo", disse Barbera, falando na passadeira vermelha.
"O festival de cinema não está obviamente fechado numa bolha... está aberto a considerar tudo o que acontece à nossa volta."
Questionado sobre a ausência de filmes latino-americanos na competição oficial, o diretor artístico da Mostra, Alberto Barbera, disse à AFPdisse que há "situações complexas que precisam ser levadas em consideração".
Citou como exemplos o Brasil, que "sai de quatro anos de ditadura de [Jair] Bolsonaro, que fez de tudo para colocar o cinema de autor brasileiro em segundo plano", e a "Argentina, onde o novo governo de [Javier] Milei cortou todo o financiamento".
"Este fenómeno acontece em muitos países do mundo, onde a censura é cada vez mais rígida e restritiva", advertiu.
“Aniki Bóbó”, primeiro filme de Manoel de Oliveira, vai ser exibido num programa dedicado a “obras-primas restauradas” com curadoria do próprio diretor artístico do festival.
Crise de identidade

A miscelânea de filmes abre quarta-feira com a estreia de "La Grazia", um drama de Paolo Sorrentino, mais conhecido fora de Itália por "A Grande Beleza", de 2013, e novamente protagonizado pelo seu colaborador frequente, o ator Toni Servillo.
Durante a cerimónia de abertura, Francis Ford Coppola vai presentear o realizador alemão Werner Herzog ("Grizzly Man", "Fitzcarraldo") com o Leão de Ouro pela carreira, que reúne mais de 70 dramas e documentários ao longo de 60 anos de carreira. Um prémio que será entregue no festival mais tarde também à atriz norte-americana Kim Novak.
O mais recente documentário de Herzog, "Ghost Elephants" ("Elefantes Fantasmas"), sobre uma manada perdida em Angola, vai estrear fora da competição.
Mas os olhares rapidamente se viram para o protagonista favorito de Hollywood, George Clooney, que na quinta-feira promete eletrizar os fãs com a estreia da comédia produzida pela Netflix "Jay Kelly", realizada por Noah Baumbach, na qual interpreta um ator famoso de Hollywood com uma crise de identidade.
Na mesma noite, estreia a comédia de ficção científica "Bugonia", de Yorgos Lanthimos, protagonizada por Emma Stone no papel de uma executiva farmacêutica raptada por pessoas que julgam que é uma extraterrestre.
O quarto filme da dupla promete mais diversão destravada este ano, depois de a hilariante adaptação de Frankenstein, "Pobres Criaturas", ter arrecadado o prémio máximo do Festival de Veneza em 2023.
Julia Roberts, por sua vez, vai comparecer em Veneza pela primeira vez na sua carreira na sexta-feira, no drama sobre cancelamento cultural "After the Hunt", do italiano Luca Guadagnino, que regressa ao festival depois de "Queer" no ano passado, com Daniel Craig.
Veneza é cada vez mais uma plataforma de lançamento fundamental para o sucesso do cinema, com os seus vencedores a conquistarem frequentemente a glória dos Óscares, como "Nomadland" ou "Joker" em anos anteriores.
A árdua tarefa de decidir quem merece o prémio principal na competição principal, a 6 de setembro, caberá ao realizador Alexander Payne ("Sideways", "Os Excluídos"), duas vezes vencedor dos Óscares e de "Sideways", e ao seu júri, que inclui a atriz brasileira Fernanda Torres, a atriz chinesa Zhao Tao, o cineasta francês Stéphane Brizé, a cineasta italiana Maura Delpero, o cineasta romeno Cristian Mungiu e o cineasta iraniano Mohammad Rasoulof.
Regresso a Veneza

A enxurrada de estreias mundiais inclui produções de alto nível, como a nova versão de grande orçamento de "Frankenstein", de Guillermo Del Toro, protagonizado por Oscar Isaac, ou o 'thriller' político "A House of Dynamite", de Kathryn Bigelow, protagonizado por Idris Elba.
Numa das escolhas de casting mais ousadas, o ator britânico Jude Law tentará a sua sorte como Vladimir Putin em "The Wizard of the Kremlin" ("O Mágico do Kremlin"), de Olivier Assayas, enquanto Dwayne "The Rock" Johnson interpreta o campeão de artes marciais Mark Kerr em "The Smashing Machine - Coração de Lutador", de Benny Safdie.
Os fãs de Park Chan-wook vão ficar entusiasmados com o tão aguardado regresso do realizador sul-coreano a Veneza, após 20 anos.
Park esteve no Lido pela última vez em 2005, quando ganhou dois prémios com "Lady Vengeance".
Agora, concorre ao Leão de Ouro com "No Other Choice", um 'thriller' sobre um trabalhador despedido que se torna um assassino que usa machado e mata os seus concorrentes.
Jarmusch marca a sua estreia no grupo principal de Veneza com "Father Mother Sister Brother", que junta Cate Blanchett, Adam Driver e Tom Waits, enquanto a modelo e atriz taiwanesa Shu Qi estreia-se na realização com "Nuhai (Girl)".
A exibir na próxima semana, "The Voice of Hind Rajab" é a aguardada releitura de Ben Hania da história verídica de uma menina palestiniana de cinco anos morta com a sua família pelas forças israelitas no ano passado, quando tentavam fugir de Gaza.
O filme utiliza a sua gravação áudio real a implorar por ajuda aos serviços de emergência.
Incluído na competição principal está também o mais recente documentário do italiano Gianfranco Rosi, "Sotto le Nuvole", uma ode a preto e branco a Nápoles.
Os documentários fora da competição incluem um perfil do estilista Marc Jacobs, de Sofia Coppola; o filme da ex-vencedora do Leão de Ouro Laura Poitras, sobre o jornalista de investigação americano Seymour Hersh; e um perfil da falecida cantora britânica Marianne Faithfull, de Jane Pollard e Iain Forsyth.
Comentários