São 52 os filmes que compõem a 4ª edição do Olhares do Mediterrâneo, cuja programação inclui debates, “workshops”, performances, exposições e um concerto.

Os realizadores de alguns dos trabalhos exibidos estarão em Lisboa para as respetivas sessões e na organização está o grupo Olhares do Mediterrâneo e o Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA).

Sobre este evento de temática regional que decorre num momento de fragmentação europeia, o SAPO Mag conversou com a diretora, Sara David Lopes.

No ano passado vocês salientavam a necessidade de criar uma alternativa ao discurso etnocêntrico – do qual árabes e muçulmanos são as maiores vítimas neste momento. Neste sentido era importante a secção Travessias, que pressegue. Passado um ano esse discurso está cada vez mais forte e até elegeu um presidente de um país como os Estados Unidos. Como vêem o vosso evento neste cenário global?

O reforço desse discurso etnocêntrico vem paradoxalmente salientar a importância de preservar espaços de desconstrução como o nosso Festival. Nessa medida, este ano pretendemos ir ainda mais longe com a nossa secção Travessias, mergulhando as suas raízes em momentos do passado que atestam a transversalidade temporal e geográfica destes desencontros que nos afastam.
É comovente, no entanto, observar que - no plano individual - em momentos de grande tensão social é possível encontrar fortes laços de solidariedade e cooperação que transcendem tendências políticas ou coletivas. Isso reforça a nossa convicção de que eventos como o festival podem contribuir de uma forma muito positiva para criar uma mudança de mentalidades, aproximando-nos do outro e vendo nele o nosso espelho na sua humanidade.

O vosso projeto também vai, de certa forma, na contramão de um processo histórico, uma vez que é agregador e inclusivo. A tendência na Europa é de desagregação, de nações fechadas num individualismo defensivo. Na região mediterrânica há o caso da Catalunha, que luta na justiça por um plebiscito pela separação.

O individualismo defensivo que caracteriza a Europa atual decorre de um sentimento que cerra fileiras contra o desconhecido, contra aquilo que, por ser diferente, é percebido como uma ameaça. Uma forma de o combater é demonstrar que a diferença é aglutinadora, enriquecedora e plural e entendemos que também aqui podemos dar um contributo, promovendo uma abertura que nos permita ver no outro aquilo que nos aproxima ainda que sejamos seres humanos distintos e diversos.
O caso catalão corresponde, em última instância, a um sentimento identitário muito forte, com raízes bem consolidadas que, não tendo o mesmo tipo de origem que estes movimentos mais atuais de retração, pela sua coexistência temporal contribuem para uma sensação genérica de um certo "salve-se quem puder" e de um virar as costas para o exterior.

O que podem dizer sobre a escolha do filme de abertura, "The Nurse" [foto em cima], e de encerramento "Willy 1er" [ao lado]?

No quadro das temáticas presentes este ano no festival, fez-nos sentido abrir com um filme que fala do direito inalienável à liberdade e da luta pela nossa realização enquanto seres plenos. Nesta encruzilhada de duas vidas - um prisioneiro político em greve de fome e uma enfermeira vítima de violência doméstica - Leila encontra neste espaço físico em que Kerem está encarcerado a força e a coragem para se libertar duma existência em que a sua maior limitação é imposta por si mesma. Kerem vê em Leila uma forma de fazer perdurar a sua existência e memória pelo exercício da liberdade de pensamento, a única que não lhe podem tirar. "The Nurse" revela-nos um encontro libertador e transformador, alinhando-se com aquilo que pretendemos que o festival seja.
"Willy 1er" vem, por sua vez, encerrar o festival com um tema que também nos é querido: o da inclusão e do direito a todos os indivíduos de perseguir os seus sonhos e lutar pela concretização das suas mais íntimas aspirações, não se deixando tolher por constrangimentos e limitações externas ou internas. Willy, um homem socialmente inadaptado e portador de algumas limitações, decide aos 50 anos deixar o ambiente protegido da casa dos seus pais e ir viver sozinho e procurar o seu lugar no mundo.

Querem destacar mais alguns projetos?

Não podemos deixar de destacar a secção nova deste ano, Começar a Olhar. Este espaço programático pretende dar mais visibilidade aos trabalhos feitos em contexto de aprendizagem. De cerca de 80 candidaturas, escolhemos 15 filmes que representarão aquilo que, de alguma forma, vai preocupando, intrigando ou seduzindo a nova geração de cineastas do Mediterrâneo. A secção é competitiva e tem um júri próprio.
Mantemos as sessões para as escola e uma programação paralela variada que pretende complementar de forma mais ou menos lúdica - que vão dos “workshops” aos debates, passando por exposições e música - a exibição dos 52 filmes que selecionamos para esta quarta edição.