Pouco depois do início da cerimónia, a primeira boa notícia: o filme português "Listen", de Ana Rocha de Sousa, uma drama que envolve temas como imigração e adoção, conquistou o troféu 'Leão do Futuro - Luigi De Laurentiis', que distingue uma primeira obra, no valor de 100 mil dólares (84,4 mil euros). Após agradecer a Veneza por "não desistir do cinema", afirmou que "o mais importante é a mensagem" que está "a tentar espalhar". "Este filme não é apenas sobre a minha expressão como cineasta, é sobre a proteger aqueles que precisam de proteção. Este filme é dedicado a todas aquelas famílias que atravessam momentos muito difíceis e essa imensa dor", sublinhou.
Depois, a cineasta, comovida, não resistiu e deixou uma palavra em português para o final: "Obrigada ao ICA, eu quero agradecer ao ICA, à RTP, ao Rodrigo Areias do fundo do coração, não seria possível estar aqui se não fosse o Rodrigo. Aos meus pais, à minha família, à minha filha: Amália este filme é para ti".
O segundo momento alto foi logo a seguir, quando a cineasta Claire Denis, presidente do Júri da secção Horizontes, anunciou que "Listen" vencera o Prémio Especial do Júri. Desta vez, foi a produtora Paula Vaccaro, nascida na Argentina, a tomar a palavra, sublinhando, a propósito da história de imigrantes que está no centro do filme, não só a sua condição de neta de imigrantes italianos como também de imigrante no Reino Unido. Deixou também uma palavra para as mulheres, uma vez que o filme foi realizado, co-escrito e co-produzido no feminino: "O sistema foi feito sem contar connosco. Não está realmente quebrado, foi mesmo criado desta maneira. E nós queremos fazer parte disto, porque somos metade do mundo".
"Listen" é a primeira longa-metragem da atriz e realizadora Ana Rocha de Sousa e a narrativa inspira-se em factos reais. É um drama familiar de uma família portuguesa emigrada no Reino Unido, a quem os serviços sociais lhe retiram os três filhos menores, por suspeita de maus tratos.
Em entrevista à agência Lusa dias antes da estreia mundial do filme em Veneza, a realizadora recuava a 2016 para falar da criação deste filme, depois de ter vivido e estudado em Londres, de ter sido mãe e de ter tomado conhecimento de casos de emigrantes que viveram aquele drama, retratado em "Listen".
"Não é de todo um filme contra ninguém em específico, mas pretende levantar questões; se não haverá outras formas de salvaguardar o superior interesse destas crianças e destas famílias para lá da adoção. (...) A grande dificuldade do tema são algumas definições demasiado subjetivas em termos legais que tornam o sistema [social] muito falível", contou.
Sobre a presença em Veneza, Ana Rocha de Sousa recordou a importância do festival: "Estar em Veneza trouxe muito visibilidade ao filme. Existirá um 'antes de Veneza' e um 'depois de Veneza'. Sou absolutamente grata ao facto de Veneza ter coragem de seguir e, de uma forma adaptada e nova, não deixar cair as coisas".
"Listen" tem coprodução luso-britânica, foi rodado nos arredores de Londres com elenco português e inglês, encabeçado por Lúcia Moniz, Ruben Garcia e Sophia Myles. Chegará aos cinemas portugueses em 2021.
Na sexta-feira, o filme da realizadora portuguesa foi distinguido com o prémio Bisato d'Oro de melhor realização e o prémio "Sorriso Diverso Venezia, pela "abordagem às questões sociais", ambos galardões paralelos do festival.
Ana Rocha de Sousa, 41 anos, entrou no cinema pela porta da representação, sobretudo em ficção televisiva, como "Riscos", "A Raia dos Medos", "Morangos com açúcar" e "Jura", e passou para o outro lado da câmara a realizar curtas-metragens. Atualmente prepara uma nova longa-metragem.
"Listen" tinha sido selecionado para a secção competitiva "Horizontes" do festival, na qual estava também a curta-metragem "The Shift", de Laura Carreira.
Nesta secção, o prémio de melhor curta foi para "Entre tú y milagros", de Mariana Saffon.
A 77.ª edição do Festival de Cinema de Veneza, que termina hoje, foi apresentada como um dos primeiros eventos internacionais a decorrer nos moldes tradicionais em tempos de pandemia da covid-19, depois de meses de paralisação da atividade cinematográfica, que levou muitos festivais a decidirem pelo adiamento, cancelamento ou exibição 'online'.
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