Em entrevista à agência Lusa a propósito da nona edição do
Doclisboa, que começa na quinta-feira,
Anna Glogowski destacou da programação o ciclo
«Movimentos de Libertação em Moçambique, Angola e Guiné-Bissau (1961-1974)», que não é só «interessante» para quem aprecia a História, e a história do cinema em particular, mas também reflete «um certo tipo de cinema que se fazia naquela época, a que se chamava cinema militante».

A propósito do 50.º aniversário do início da Guerra Colonial, a programação do DocLisboa decidiu reunir alguns filmes, oriundos de vários países, «que nunca mais foram vistos» e trazer a Lisboa os seus realizadores («há pessoas que nunca mais se viram desde aquela época, vai ser muito emocionante»).

«Foi muito complicado conseguir reunir esses filmes, porque foram filmados em 16 milímetros, em formato totalmente diferente, há umas cópias que estavam estragadas», sublinha Anna Glogowski. «Têm um arzinho meio antiquado», mas ao mesmo tempo lembram à juventude de hoje um contexto de «ditaduras e guerras».

«Nunca mais se fez cinema assim», considera Anna Glogowski, referindo que entre os 15 filmes que vão ser mostrados há um «ponto comum», que é «uma espécie de presença por trás das fronteiras da guerrilha».

Os filmes em causa – que mostram «a guerra de dentro» – revelam que «já havia uma tentativa de organização da sociedade ali, naquelas condições em que eles viviam, no mato», com «escolas, enfermarias, serviço médico».

Os cineastas «estavam a filmar ali, do outro lado do mundo», sobre o qual não se sabia nada a não ser a versão oficial da guerra.

«Filmavam em condições de trabalho muito difíceis. Iam sozinhos, com câmaras muito mais pesadas do que as de hoje, com som separado», recorda Anna Glogowski.

Os filmes do ciclo serão incluídos na programação diária do Doclisboa, passando a meio da tarde, a pensar em estudantes e investigadores. No último fim de semana do festival, nos dias 29 e 30, alguns dos documentários serão repostos à noite, no Teatro do Bairro.

Entre os filmes que constam no ciclo, a diretora do festival refere
«25», dos brasileiros Zé Celso e Celso Luccas, sobre a celebração da independência de Moçambique e que mistura imagens de arquivo da época com «um pouco de tropicalismo», e
«Behind the lines», de Margaret Dickinson.

Anna Glogowski, de nacionalidade brasileira e que veio para Portugal em 1974, depois do 25 de Abril, já tinha visto alguns dos filmes, mas outros descobriu-os só agora.

«Impressionaram-me ao ver que em plena guerra havia aquela gente já a tentar organizar uma vida minimamente decente para aquelas pessoas», confessou.

«Não é que os cineastas estejam hoje menos engajados e comprometidos com o que se passa no mundo», mas «a maneira de fazer cinema mudou», reconheceu a diretora do Doclisboa. «Hoje há filmes feitos por pessoas como nós, como você e eu», realçou, referindo como exemplos «primaveras árabes», filmadas com telemóveis e postas a circular nas redes sociais.

«Hoje as coisas são muito mais imediatas. Você filma com qualquer coisa. Com um objeto pequeno você pode quase fazer um filme», destaca, comparando com os cineastas que «partiam para o outro lado do mundo, com equipamento em película, e depois só viam aquilo que tinha sido filmado quando voltavam para casa».

A nona edição do Doclisboa, o festival internacional de cinema documental, decorrerá entre os dias 20 e 30 de outubro em várias salas de Lisboa.

@Lusa