Há muitos anos com a reputação de ser um recluso, o lendário cineasta Jean-Luc Godard fez uma raríssima aparição pública para receber um prémio na Cinemateca Suíça.

O prémio, atribuído a personalidades que, através da sua criatividade, contribuem para a evolução da história do cinema e, em particular, para a defesa e preservação do seu património, foi entregue durante o 75.º Congresso da entidade que congrega as cinematecas de todo o mundo — a Federação Internacional dos Arquivos de Filmes (FIAF), com a qual o realizador de 88 anos colabora frequentemente.

Com uma carreira onde estão filmes como "O Acossado", "Uma Mulher é Uma Mulher", "Alphaville", "Masculino Feminino", "Pedro, o Louco" e "Fim-de-Semana", Godard falou sobre o seu mais recente trabalho, "O Livro da Imagem" (estreado em dezembro no nosso país), que recebeu a primeira Palma de Ouro especial no último Festival de Cannes.

“Conto esta história [“O Livro da Imagem”], tanto em imagens como em palavras, para o cinema falar por si. O meu último filme, por exemplo, é feito exclusivamente de filmes. Tento alcançar algo da linguagem que a pintura teve, que a música teve, que o cinema também teve um pouco durante a era do mudo e que perdeu. Perdeu em favor do que chamamos de filmes falados", explicou.

O tema do cinema mudo e o lamento em relação ao streaming surgiram momentos antes, quando Godard mencionou uma fotografia do primeiro Congresso da FIAF em 1929, onde aparecia Jean George Auriol, o fundador da "Revue du Cinéma", uma revista de cinema francesa que precedeu a icónica "Cahiers du Cinéma", onde o realizador e outros colaboraram antes de fazerem os filmes que lançaram a "Nouvelle Vague".

“Para mim, essa fotografia no congresso de La Sarraz é uma foto do fim do cinema que veio do filme mudo e dos irmãos Lumière. É um arquivo nesse sentido... um que, em larga medida, se perdeu", recordou.

O cineasta comparou então essa transição do cinema mudo para o sonoro com outra, para as plataformas de streaming.

“Hoje, outra perda, na minha opinião, será o fim dos DVDs de uma certa forma. Com a nova, como é chamada, Netflix... as pessoas usam-na para ver um filme da forma que querem, e já não vão realmente às salas de cinema", lamentou.