Em 2008, depois de um trabalho que durou uma semana e soube a pouco, em torno da ideia de identidade, a realizadora
Filipa Reis achou o resultado «muito estimulante» e apresentou um projecto a longo prazo. Assim surgiu o
Kê Li Kê Lá (que em crioulo quer dizer «ah, e tal»), um projecto de sensibilização artística e de formação em cinema, envolvendo os jovens do Casal da Boba – «com poucas oportunidades e muitas expectativas» –, produzido pela Vende-se Filmes e financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela Fundação EDP.
A meio do percurso do projecto, com uma duração de dois anos, os participantes quiseram mostrar o que andam a fazer, nomeadamente os cinco documentários já finalizados pelos jovens aprendizes de realizadores, uma exposição de fotografia de Filipa Reis e
João Miller Guerra e pequenas apresentações ao vivo para demonstrar o processo de interpretação.
O ambiente era de escola e a ansiedade muita entre «o núcleo duro» de jovens do projecto (cerca de 20), antes da «estreia» dos documentários – cinco histórias que resultaram de «inquietações», exibidas na última quarta feira, na Gulbenkian, em Lisboa. Romeu Costa, formador de interpretação, dava alguns raspanetes pela falta de pontualidade, mas momentos mais tarde diria à Lusa que «a constante relação com o dia a dia é o mais estimulante do trabalho» com estes jovens, alguns dos quais, acredita, podem evoluir na representação, porque já têm «um brilho especial e é isso que distingue os actores bem sucedidos».
O Kê Li Kê Lá é um projecto de workshops na área do audiovisual: interpretação, documentário, técnicas visuais, fotografia e banda sonora. O foco é a identidade e o propósito é estes jovens «criarem a capacidade de se auto-analisarem», para depois criarem personagens. «A nível humano, será fundamental para eles», que vão adquirir «valências óptimas para o resto da vida», antecipa Romeu Costa.
Os «temas nucleares» do projecto são «o abandono escolar, a pequena criminalidade e o desemprego», resume Filipa Reis, directora artística do projecto. Os jovens participantes nunca tiveram formação artística, alguns estão na escola, outros abandonaram-na.
«Acho que a escola é uma mais valia, mas também compreendo por que alguns têm de desistir, porque não têm condições ou têm de ficar com os irmãos», disse à Lusa
Dulcelina Moreno (mais conhecida como Dulce), realizadora de um dos documentários, «Primeiro Passo».
O Kê Li Kê Lá já resultou numa curta metragem (
«Nada Fazi»), que vai entrar em pós-produção, e vai agora arrancar com o segundo módulo de fotografia, que pretende que sejam os jovens a retratarem o local onde vivem, e com a recolha de músicas originais do bairro.
O objectivo final do projecto é uma longa metragem de ficção – cujo guião estará terminado até Junho –, a partir das histórias de vida dos jovens do Casal da Boba. «É muito mais estimulante conseguirmos contar uma história que tem uma base real», diz Filipa Reis.
Viver num bairro que é visto de fora como difícil não é fácil. «Nem sempre o que falam de fora é o que acontece por dentro», diz
João Soares (Quinzinho de alcunha). «Tenho um colega que me diz «não vou ao teu bairro porque se for lá sou roubado». É tudo mentira. Não vou dizer que não pode ser roubado, mas também pode ser roubado em qualquer outro sítio, numa estação de metro, na paragem de autocarro… É um sítio normal, existem pessoas más e boas, como em todo o lado», realça Dulce.
SAPO/Lusa
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