Morreu o realizador Richard Donner, confirmou a sua produtora à imprensa especializada norte-americana sem divulgar a causa. Tinha 91 anos.

Richard Donald Schwartzberg, como era o seu verdadeiro nome, nascido a 24 de abril de 1930, é o único realizador a ter finalizado quatro filmes seguidos de uma mesma saga e com as mesmas personagens: "Arma Mortífera".

Lançada em apenas 11 anos (1987 a 1998), a saga é o ponto alto da sua carreira, elevando-o ao grupo de realizadores cujos filmes rendiam mais de mil milhões de dólares nas bilheteiras.

Em dezembro do ano passado, o realizador de sempre confirmara que, após anos de avanços e recuos, ia avançar o quinto filme a juntar Mel Gibson e Danny Glover. Os dois atores já tinha indicado que estavam satisfeitos com a nova história e exigiram o regresso de Donner: reformado desde "16 Blocks" em 2006, iria tornar-se o realizador mais velho de sempre à frente de um "blockbuster" de ação de Hollywood.

"Este é o último. É o meu privilégio e dever acabar com isto. Na verdade, é emocionante... É o último, prometo", revelara em entrevista ao jornal britânico The Daily Telegraph [acesso pago].

Arma Mortífera

A carreira de Richard Donner tem muito mais do que as aventuras progressivamente mais cómicas de Martin Riggs (Gibson) e Roger Murtaugh (Glover), o polícia maníaco sempre no limite e o outro sempre à espera da reforma (a que mais tarde se juntaram as personagens interpretadas por Rene Russo e Joe Pesci: ele foi um realizador que chegou atrasado à "velha Hollywood", capaz de aliar um elevado profissionalismo para todos os géneros com a capacidade técnica, um olho especial para gerir atores e os seus egos, mas que floresceu na "nova Hollywood" graças a uma sensibilidade especial face ao material que ultrapassava a capacidade de um mero "tarefeiro" de estúdio e deixou marca em vários filmes que ficam para a história do Cinema.

RICHARD DONNER NA RODAGEM DOS FILMES.

Após ter começado a sua carreira como ator e depois transitar para o outro lado da câmara, ganhando experiência a dirigir episódios de séries dos anos 1960 como "O Fugitivo", "A Quinta Dimensão", "Get Smart - Olho Vivo", ""Perry Mason" e "The Man from U.N.C.L.E.", teve a grande oportunidade no cinema ao dirigir "O Génio do Mal" (1976), com Gregory Peck e Lee Remick como os pais de um possível Anti-Cristo, provavelmente um dos melhores filmes que apareceram em resultado do impacto de "O Exorcista" (1973) e teve várias sequelas.

Outra encomenda consolidou a sua carreira em Hollywood e de forma superlativa: "Superman" (1978) fez acreditar que era possível um homem voar e continua a ser uma das melhores adaptações ao cinema a partir da banda desenhada, influenciando até hoje o género de super-heróis, como é reconhecido por cineastas como Tim Burton, Christopher Nolan, Patty Jenkins, Zack Snyder e Bryan Singer (que ajudou a relançar o género com "X-Men" em 2000, com Donner como produtor executivo). Em 2018, Kevin Feige, presidente da Marvel, disse que continuava a ser "o modelo perfeito do filme da origem de um super-herói" e que faziam visionamentos antes de começarem a produção de quase todos os filmes do estúdio.

Superman

Menos conhecido é que Richard Donner rodou em simultâneo o que viria a ser "Superman II - A Aventura Continua" (1980), mas a rodagem foi interrompida quando já tinha completado 75% para se concentrar a atenção em terminar o primeiro filme. Posteriormente, vários desentendimentos com os produtores acabaram por levar a sua substituição por Richard Lester, que refilmou muito do material e foi o único nome a aparecer nos créditos.

A pressão dos fãs e a descoberta em Inglaterra de bobines com todo o material de Richard Donner que se julgava perdido permitiu a criação de um "The Richard Donner Cut", lançado em 2006 com críticas muito positivas, confirmando o seu contributo artístico para o género.

Como reconheceu no comentário áudio às edições em DVD e Blu-ray de "Superman II: The Richard Donner Cut", o filme seguinte, "Rendez-vous no Max's" (1980) foi uma forma de se distrair após ter sido despedido, "o filme mais pequeno que podia fazer que naquela altura era muito próximo e querido para mim". Uma comédia, "Querido Fantoche" (1982), com Richard Pryor e Jackie Gleason, foi outra etapa discreta e sem impacto nas bilheteiras.

O relançamento da carreira aconteceu com dois trabalhos lançados com poucos meses de diferença em 1985 que tiveram sortes muito diferentes nas bilheteiras, mas são agora de visionamento obrigatório: o fracasso que acabou por se tornar filme de culto "A Mulher Falcão", com Rutger Hauer, Michelle Pfeiffer e Matthew Broderick; e "Os Goonies", um grande sucesso (inspirado por uma história de Steven Spielberg) que tem marcado gerações de crianças desde a década de 1980.

Os Goonies

Apesar de várias tentativas, o filme de aventuras que juntou atores como Sean Astin, Josh Brolin, Corey Feldman, Martha Plimpton e Ke Huy Quan nunca teve uma sequela, mas esta caça ao tesouro de um grupo de amigos, com aventura e humor pelo meio, continua a ser marcante para toda a família, como confirmou o impacto do reencontro virtual em abril de 2020 promovido por Josh Gad ("Frozen"), que foi uma das últimas presenças públicas de Richard Donner.

Tanto "A Mulher Falcão" como "Os Gonnies" foram distribuídos pelo estúdio Warner Bros., que ofereceu a seguir "Arma Mortífera", com argumento escrito por um recém-licenciado da UCLA chamado Shane Black. Foi Donner que convidou Mel Gibson, a diretora de casting Marion Dougherty sugeriu juntá-lo com Danny Glover e o resto faz parte da história: como recordou o realizador em 2007, um encontro de duas horas para lerem o argumento em conjunto foi o suficiente para encontrar uma relação que originou uma das maiores duplas da história do cinema.

Entre as sequelas de 1989, 1992 e 1998, surgiram outros filmes, com impactos diferentes: "SOS Fantasmas" (1988) foi um moderado sucesso de bilheteira e teve uma produção difícil por causa da relação difícil com a estrela principal Bill Murray (admitida por ambos), mas é atualmente reconhecido como um dos melhores filmes de Natal; o "A Força da Ilusão" (1992) com os jovens Elijah Wood e Joseph Mazzello foi um grande fracasso comercial e artístico; e "Maverick" (1994), a adaptação para o cinema da popular série dos anos 1950, beneficiando das presenças de Mel Gibson, James Garner (protagonista da série) e Jodie Foster, foi um sucesso astronómico; "Assassinos"(1995), com Sylvester Stallone e Antonio Banderas, é provavelmente um dos seus piores trabalhos apesar de ter um argumento muito alterado das irmãs Wachowskis (pré-"Matrix"); "Teoria da Conspiração" (1997), revelou um razoável regresso à boa forma (e também correu melhor nas bilheteiras, como seria de esperar com Mel Gibson e Julia Roberts).

Apesar de ter sido um sucesso e beneficiar de um Jet Li num raro e formidável papel de vilão, "Arma Mortífera 4" confirmou que a "receita" da saga já não tinha muito mais por explorar. E Richard Donner também deixou de ter projetos à altura do seu talento: apesar de se mostrar eficiente como sempre na gestão da ação, os dois últimos filmes não ficaram para a história: "Resgate no Tempo" (2003), com Paul Walker, e "16 Blocks", com Bruce Willis.

A partir de "A Mulher Falcão" e "Os Goonies", Richard Donner também foi o produtor dos seus filmes, garantindo assim que não se repetiria o que aconteceu com "Superman". Este percurso, ainda como como produtor executivo, incluiu, além do primeiro ""X-Men", títulos como "Libertem Willy" (1993), "Um Domingo Qualquer" (1999) e "X-Men Origens: Wolverine" (2009).

As reações de Hollywood: o "maior Goonie de todos"

Os Goonies com Richard Donner em 2001

Descrevendo Richard Donner como um "amigo e mentor", Mel Gibson, estrela de seis filmes, recordou numa declaração ao Deadline: "As coisas que aprendi com ele! Ele menorizou o seu próprio talento e grandeza com uma grande dose de humildade, referindo-se a si mesmo como 'apenas um polícia de trânsito'. Deixava o seu ego à porta e exigia isso dos outros. Era magnânimo de coração e alma, que generosamente deu a todos os que o conheciam. Se acumulássemos todas as boas ações que fez, isso estender-se-ia para algum lugar desconhecido no céu. Vou sentir muito a falta dele, com toda a sua maliciosa sagacidade e sabedoria".

A declaração de Danny Glover também é marcada pela emoção: "O meu coração está partido. Trabalhar com o Dick Donner, Mel Gibson e a equipa 'Arma Mortífera' foi um dos um dos momentos de maior orgulho da minha carreira. Estarei-lhe eternamente grato por genuinamente se importar comigo, a minha vida e a minha família. Éramos amigos e amávamo-nos muito para lá de colaborar em filmes e do sucesso que a saga 'Arma Mortífera' nos trouxe. Sentirei muito a sua falta dele".

Em comunicado, Steven Spielberg recordou que "o Dick tinha um domínio tão poderoso dos seus filmes e era tão talentoso em tantos géneros. Estar na sua órbita era semelhante a conviver com o seu treinador favorito, o professor mais inteligente, o motivador mais feroz, o amigo mais cativante, o aliado mais fiel e - é claro - o maior Goonie de todos. Todo ele era uma criança. Todo coração. Sempre. Não posso acreditar que ele se foi, mas o seu riso rouco e caloroso ficará comigo para sempre."

Terminando com o lema de "Os Goonies", Sean Astin partilhou nas redes sociais: "Richard Donner tinha a maior e mais estrondosa voz que possam imaginar. Ele dominava as atenções e ria como nenhum homem jamais se riu antes. O Dick era tão divertido. O que percebi nele, aos 12 anos, é que ele se importava. Adoro o quanto ele se importou. 'Goonies Never Say Die'".

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