A tragédia - ou o milagre - nos Andes volta a ser contada no filme "A Sociedade da Neve", da Netflix, que estreou em dezembro em salas de cinema de vários países e poderá ser visto na plataforma de streaming a partir de 4 de janeiro.

"Todos temos a nossa cordilheira", disse Canessa à AFP.

"E há muita gente que está a subir a montanha agora. É preciso dizer que não desanimem, que sigam em frente", acrescentou.

Dirigido pelo espanhol J.A. Bayona ("Jurassic World: Reino Caído", "O Impossível"), "A Sociedade da Neve" conta a odisseia vivida pelos jovens membros de uma equipa uruguaia de raguebi amador quando o avião em que viajavam para o Chile caiu na Cordilheira dos Andes em 1972.

O título e a história inspiraram-se no livro homónimo do uruguaio Pablo Vierci, que recolhe os testemunhos dos membros da "sociedade da neve".

Para Canessa, o nome representa um pacto que surge quando a vida impõe desafios, "quando a sociedade civilizada te deixa de lado".

"Quando você tem uma equipa de raguebi, viaja de avião para o Chile para jogar e, de repente, se vê em um acidente aéreo (...)  E obviamente o ser humano pensa de seguida que vão vir resgatá-lo. Mas os dias começam a passar", conta.

"É preciso fazer a sua própria água, comer os mortos porque caso contrário, vamos morrer. Os mortos estão ali, ao teu lado. Começamos a ver a morte de outra pessoa não com tristeza por ela, mas com tristeza por nós próprios porque é como se estivessemos numa lista de espera", continua.

"Faltava alguma coisa"

A 13 de outubro de 1972, um avião com 45 pessoas a bordo (jogadores da equipa Old Christians, alguns familiares e a tripulação) caiu nas montanhas dos Andes, em território argentino.

O impacto dramático partiu o avião e matou vários passageiros na aeronave.

Outros sucumbiram ao longo dos 72 dias que passaram no Vale das Lágrimas, a mais de 3.000 metros de altitude.

"O que aconteceu conosco nos Andes é absurdo", diz Canessa, um dos 16 sobreviventes que sobreviveram para contar a história.

Na época, o agora cardiologista percorreu a cordilheira durante dez dias com o seu amigo Fernando Parrado até conseguir ajuda.

O acidente e a façanha foram contados em livros, documentários e filmes como "Estamos Vivos" (1993), falado em inglês e protagonizado por Ethan Hawke e Josh Hamilton.

Mas Bayona, que queria contar a história no seu idioma natal, sentiu que "faltava contar alguma coisa".

"[Era] dar àqueles que não voltaram a possibilidade de se expressar. E é aí que encontramos a guinada que deu sentido a este filme".

O passageiro Numa Turcatti, interpretado por Enzo Vogrincic, é o fio condutor de "A Sociedade da Neve". Para o uruguaio de 30 anos, o papel foi ao mesmo tempo uma oportunidade e um desafio.

"Uma forma de viver"

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Para retratar o impacto da cordilheira, os atores aumentaram e perderam peso, e passaram horas submersos na neve.

"Pode parecer que não há outra forma de contar esta história se não passarmos um pouco pelo sofrimento", explica Vogrincic.

O ator, que sofreu com fome e frio constantes durante as filmagens e chegou a gravar algumas cenas com febre, descreveu como uma "tortura" a gravação das avalanches.

Mas "agradecíamos" por tudo porque facilitava a interpretação e "a conexão com o real, o que emociona muito".

Para Canessa, "todas estas características fazem deste um filme praticamente científico com a experiência dos pobres atores submetidos às mesmas penúrias que nós vivemos".

"Com a vantagem de que no fim do dia iam embora", acrescentou. "Era um trabalho, para nós era uma forma de viver", conclui.

"É uma versão super light do que aconteceu na cordilheira. Sofremos muito mais. Se eu tivesse um filme de como nós passamos por isso, as pessoas ficariam de pé e sairiam do cinema", afirmou, com uma gargalhada.

O filme, apresentado no encerramento do Festival de Veneza, entrou na short list para o Óscar de Melhor Filme Internacional representando a Espanha. Também é semifinalista nas categorias de efeitos visuais, caracterização e banda sonora.

Canessa, que depois da sua expedição na cordilheira aprendeu a levar a vida passo a passo, recomenda assistir ao filme com perspectiva. "Sentem-se no cinema e deixem-se levar para pensar o que fariam se o vosso avião caísse", diz.