"Bostofrio" estreou esta semana em Portugal (07/11) depois de ter sido lançado na edição do IndieLisboa do ano passado, percorrido um longo circuito de festivais e beneficiado do consenso da crítica portuguesa.
“Bostofrio, ou le Ciel Rejoint la Terre” mergulha nos segredos e subterfúgios de uma história familiar que revela muito da mentalidade de uma comunidade remota de Trás-os-Montes. Para lá ruma o muito urbano Paulo Carneiro, no seu “debut” cinematográfico, com uma câmara na mão e um grande ponto de interrogação na cabeça: que seria feito do seu avô paterno, incógnito na certidão de nascimento do seu pai?
No cinema documental, este tipo de procura pelas origens familiares pode ou não levar à uma resposta objetiva, mas em “Bostofrio” importa é aquilo que se encontra pelo caminho – especialmente quando, como diz o realizador ao SAPO Mag, “o entrevistador faz a pergunta ‘em negro’ e os entrevistados respondem ‘em cinzento’”.
Está desde cedo implícito que se descobrirão outras coisas entre os interditos e na franca má vontade inicial em falar do passado por parte dos inquiridos desta localidade cercada de montanhas e onde atualmente não residem mais de 30 pessoas.
Uma delas, que se vai revelando ao longo do filme, é a forma de pensar, agir e “solucionar” problemas complexos numa localidade remota no tempo de Salazar, onde questões hoje diagnosticadas pela ciência, como a esquizofrenia, ganham outro tipo de explicações e “tratamento”.
Apesar de assistente de realização de João Viana, realizador de devaneios etéreos e surrealistas como “A Batalha de Tabatô” e “Our Madness”, Paulo Carneiro traz um registo muito mais pragmático – sem que ele contrarie que o seu filme traz as suas próprias "nuances" menos mensuráveis, presentes na parte francesa do título.
“É natural que possa haver uma influência, mas sobretudo preocupei-me em fazer algo meu, que não pudesse ser facilmente catalogado”, diz.
Contrariando um certo “fetiche” que alguns realizadores nascidos no meio urbano têm pela “terrinha”, Paulo Carneiro enfatiza que não foi lá “por que é bonito. Conheço aquelas pessoas desde sempre e queria fazer um filme verdadeiro. Não fui lá ‘escrutinar’ nada”.
Da aldeia para o mundo, o realizador parece decidido a trocar as voltas a qualquer expectativa ao anunciar que o seu novo trabalho, rodado entre comunidades portuguesas na Suíça e em fase de montagem final, vai falar sobre “carros”.
O tema do projeto ainda sem título é insólito no documentário português e o cineasta parece apenas interessado em acrescentar suspense em vez de revelar: “É sobre pessoas que gostam de carros e também traz a criação de uma imagem que não existe no cinema português. Nunca se fez algo assim, em vários sentidos!”.
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