Um grupo de crianças ri enquanto brinca na paisagem empoeirada perto de casa, no norte da Síria. Mas esta não é uma brincadeira típica, pois a bola usada é uma bomba ativa.
O jogo macabro é uma das cenas mais arrepiantes de "Of Fathers and Sons" ["Sobre Pais e Filhos", em tradução livre], onde o cineasta Talal Derki faz uma exposição inquietante sobre o domínio islâmico em sua Síria natal.
"Esta foi a cena que partiu o meu coração", disse Derki à agência AFP numa entrevista em Los Angeles, na qual lembrou o episódio estremecedor.
"Estava a ver meu filho de seis anos através da lente", recordou.
Durante mais de dois anos, o célebre cineasta morou com uma família muçulmana numa região devastada pela guerra, situada na fronteira com a Turquia. Ali, ele focou a sua câmaara primordialmente nas crianças para capturar a sua gradual radicalização.
O resultado foi um documentário sombrio e inquietante de 98 minutos, que oferece uma visão incomum da vida quotidiana dos jihadistas que nos últimos anos semearam o pânico à volta do mundo.
"Eu chamo-o de pesadelo", disse o cineasta de 41 anos, referindo-se à propagação do movimento extremista islâmico.
O filme, que estreou em 15 de novembro nos EUA e passou em Portugal recentemente no DocLisboa, venceu a competição de documentário de cinema mundial no Festival de Cinema de Sundance no início deste ano.
O anterior documentário de Derki, "The Return to Homs" ["Regresso a Homs", em tradução livre], ganhou o prémio do grande júri em Sundance na mesma categoria em 2014.
"Of Father and Sons" acompanha Abu Osama, um dos fundadores da frente Al Nusra, associada à Al Qaida, enquanto conduz dois dos seus oito filhos - Osama, de 13 anos, com nome inspirado no seu herói pessoal, Osama bin Laden, e Ayman, de 12, que leva o nome do atual líder da Al Qaeda, Ayman al Zawahiri - pelos caminhos da jihad.
Derki, que mora em Berlim, disse que conquistou a confiança de Abu Osama fazendo-se passar por um fotógrafo de guerra simpatizante da causa jihadista. Desta forma, viveu com a família de forma intermitente durante dois anos e meio, partilhando os seus momentos mais íntimos.
De jovens inocentes a jihadistas
O horror do filme não provém da violência e do sangue, explicou Derki. O espectador vai-se sentindo mais enojado à medida que o documentário expõe a brutal transformação de jovens inocentes em combatentes jihadistas.
"Este é um filme que nos faz entender como funciona o cérebro", explica Derki, que acrescenta: "Você tem o horror na linguagem, na educação, em cada momento".
O realizador conta que ainda se sente assombrado por várias cenas do seu filme, particularmente a das crianças brincando com a bomba.
Noutro momento, uma das crianças orgulha-se de contar a Abu Osama - que significa pai de Osama, em árabe - como matou um passarinho.
"Pusemos a cabeça no chão e a cortámos, como você fez, pai, com aquele homem", proclama o miúdo.
A paisagem desértica e bombardeada que a família considera o seu lar e o facto de as mulheres da família nunca terem sido vistas ou ouvidas aumenta a sensação de desespero ao longo do filme.
"As mulheres são as grandes vítimas desta sociedade", diz Derki.
"Estive ali por dois anos e meio e nem mesmo soube como era a mãe destas crianças. Nunca pronunciaram o seu nome e a sua voz nunca se ouviu", recorda.
Para Derki, enquanto o seu primeiro documentário, "The Return to Homs", rastreou a evolução da rebelião síria e da repressão brutal do regime, "Of Fathers and Sons" foi um capítulo seguinte lógico na sua busca para explicar o mergulho do país no caos.
"Temos que usar a nossa arma - que é o cinema - para mostrar o que realmente está a ocorrer, quem são estas pessoas, como fazem lavagem cerebral nestas sociedades", diz.
"Temos que pensar antes de bombardear qualquer área, antes de deixar que um ditador mate o seu próprio povo com armas pesadas", acrescenta.
Derki contou que "Of Fathers and Sons" lhe causou um impacto psicológico tão profundo que ele teve que deixar a câmara por agora para se concentrar no seu tratamento.
"Ainda estou a recuperar. Tenho que tomar remédios para dormir, senão tenho pesadelos", admite.
Ele contou, ainda, que depois da última cena, tatuou o braço direito e furou a orelha para não se sentir tentado a misturar-se a jihadistas no futuro.
"Se você tem tatuagens ou piercings, não pode estar com eles. Essa foi a minha forma de garantir que não voltaria", conclui.
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