O sexo, a igreja e a música foram temas tratados de forma explícita e recorrente na obra do realizador britânico
Ken Russell, que faleceu durante o sono na noite de domingo, 27 de novembro, aos 84 anos, segundo informou à comunicação social o seu amigo Norman Lebrecht. O seu estilo excessivo e barroco valeu-lhe a admiração e o repúdio de muitos, numa carreira que andou sempre entre entre o cinema e a televisão.

Nascido em Southampton em 1927, Russell começou a sua carreira como fotógrafo, uma paixão que manteria ao longo da vida, e como documentarista para a televisão. Em 1959 entra para a BBC, onde ficará até 1970 e onde assinará uma série de filmes sobre compositores que ainda hoje estão entre os trabalhos mais unanimemente elogiados da sua carreira.

Os mais relevantes foram
«Elgar» (1962),
«The Debussy Film» (1965),
«Isadora Duncan, the Biggest Dancer in the World» (1967),
«Song of Summer» (sobre Frederick Delius e Eric Fenby, e que Russell considerava o seu melhor filme) (1968) e
«Dance of the Seven Veils» (1970), sobre Richard Strauss, títulos em que o cineasta recriou a realidade em vez de se limitar a usar depoimentos e imagens de época. O seu estilo foi-se soltando cada vez mais e com a fita sobre Strauss teve o seu primeiro encontro mesmo a sério com a polémica, ao retratar o compositor vienense como nazi, o que provocou o repúdio da família do compositor, que retirou os direitos de utilização da música no filme.

Ainda antes, em 1963, tinha tentado o cinema sem sucesso, com comédia
«French Dressing», que se revelou um «flop». Voltou a tentar em 1967 com
«Um Cérebro por Um Milhão», com Michael Caine, mas o seu primeiro grande sucesso foi mesmo
«Mulheres Apaixonadas», adaptado do romance de D.H. Lawrence e que é, ainda hoje, o seu filme de referência.

A película valeu a Russell a sua única nomeação ao Óscar de Melhor Realizador e a
Glenda Jackson a estatueta de Melhor Atriz. Emblemática da liberalização de costumes da época, a fita gerou imensa controvérsia pela sequência de luta entre Oliver Reed e Alan Bates, que seria a primeira cena num filme «mainstream» a mostrar um nu frontal masculino.

Na década seguinte, Russell continuou a cortejar a controvérsia, e quase sempre foi sendo bem sucedido. Com
«The Music Lovers» (1970) fez um «biopic» pouco convencional sobre Tchaikovsky, com
«The Boy Friend» (1971) adaptou a peça musical do mesmo nome com Twiggy, com
«Savage Messiah» (1972) ficcionou a vida do escultor francês Henri Gaudier-Brzeska, com
«Mahler» (1974) fez um biopic livre e de grande sucesso de Gustav Mahler, com
«Tommy» (1975) adaptou a incontornável ópera rock dos The Who, com
«Listzomania» (1975) marcou a sua época com uma recriação inesperada da vida de Frans Listz (encarnado por Roger Daltrey) e com
«Valentino» (1977) colocou Rudolf Nureyev a interpretar o mítico Rudolph Valentino num «biopic» sobre o ator, como sempre muito livre.

Mas o seu mais polémico filme da década foi mesmo
«The Devils» (1971), banido em vários países, mutilado noutros, com Oliver Reed no papel de um padre do século XVII que seria executado por feitiçaria. O cruzamento de sexo, depravação, ignorância e igreja católica foi inaceitável para muitos mas, apesar dos muitos cortes, tornou-se um dos maiores sucessos da carreira do realizador.

Por esta altura, tentou a sorte nos EUA, mas a coisa não correu bem. Com os «flops» de
«Viagens Alucinantes» (1980) e
«As Noites de China Blue» (1984), o cineasta voltaria a filmar unicamente na Europa, mas mesmo assim, os excessos do seu cinema foram sendo progressivamente mais criticados e menos bem acolhidos nas bilheteiras.
«Gothic - Poetas e Fantasmas» (1986),
«Jardim do Mal» (1988) e
«Dança dos Sete Véus» (1988) foram severamente criticados pelos seus excessos visuais embora tenham ganho uma audiência de culto ao longo dos anos, e
«Arco-Íris» (1989), novamente baseado em Lawrence, embora tenha recuperado o apreço crítico falhou em levar espetadores às salas.

Em 1991, realizou o seu último filme para cinema,
«A Prostituta», sobre a vida de uma prostituta e protagonizado por Theresa Russell, cujo conteúdo voltou a gerar celeuma mas que voltou a ser um «flop».

A partir de então, Russell trabalhou essencialmente na televisão, com telefilmes muitas vezes auto-financiados e com parcos meios de produção, nenhum deles marcando minimamente a sua época. Apesar disso, a sua popularidade desde os anos 80 foi sendo sempre muito alta à conta do seu gosto pela polémica pública e a auto-promoção, o que o levou a aceitar participar em 2007 numa versão de «Big Brother Famosos», que abandonaria após quatro dias de programa. A sua obra dos anos 70 e 80, contudo, tem sofrido contínuas reavaliações críticas pelo que o estatuto de Ken Russell na história do cinema britânico poderá aumentar no futuro.