Em Lisboa, a Festa do Cinema Francês decorre entre 5 e 15 de outubro. Uma das atividades paralelas já está a decorrer: a exposição de fotografias de Renaud Monfourny, fotógrafo da revista de culto francesa Les Inrockuptibles.

Num ameno final de tarde, o SAPO Mag foi até a Plataforma Revólver [rua da Boavista, 84] para ver as fotos da coleção “Lights, Camera, Action!” e ter uma conversa sobre o estado das coisas na cultura atual…

A exposição reúne fotografias a preto-e-branco selecionadas diretamente para a Festa do Cinema Francês. São apenas algumas de uma carreira de mais de 30 anos e uma produção de cerca de 40 novos trabalhos por mês. Além de artistas do cinema do seu país, no entanto, o fotógrafo escolheu algumas surpresas.

“Recordei que Portugal é um país forte em termos de cinema e decidi fazer uma pequena homenagem incluindo alguns dos seus protagonistas”, diz.

Assim, pelas paredes da casa de artes é possível encontrar “poses” de Rita Blanco, João Pedro Rodrigues, Manoel de Oliveira, Pedro Costa.

O envolvimento de Monfourny com a fotografia começou no final dos anos 70, mas um dos momentos marcantes foi, certamente, a fundação da revista Les Inrockuptibles, em 1986. Como em tantos outros países, ela surge durante a febre do 'indie rock' britânico que, conforme conta, ainda não circulava em França. Foi num contexto de efervescência cultural, amparada em ícones como The Smiths, New Order, The Cure e tantos outros, que a revista cresceu.

Foi acompanhada por diversas empresas jornalísticas que, no entanto, já não existem. Por que a "Les Inrock", conforme a alcunha, sobreviveu?

"Bom, um dos motivos foi que simplesmente não se pagou ninguém durante uns dois anos! Depois houve um momento fundamental quando a Fnac, que achou o conteúdo muito bom, decidiu vendê-la nos seus estabelecimentos", tornado desta forma a publicação um dos veículos de referência do público de música e cinema alternativos.

A música e o hipermercado da dispersão

Hoje em dia, olhando em retrospetiva, tudo parece muito diferente. Para quem viveu a juventude nos anos 80, curiosamente considerada na altura “decadente” em relação às anteriores, causa desconforto ver o consumo indiscriminado de música no século XXI.

Monfourny mostra-se perplexo: "É assustador. Hoje com a internet consume-se indiscriminadamente de tudo, não há um caminho, não há uma consciência em relação ao que se ouve. É só consumo, aleatório e disperso. Se for preciso a mesma pessoa ouve Rihanna e diz 'fixe'; se por puro acaso lhe calhar um Sex Pistols, também vai dizer o mesmo. Antigamente isso era impensável!” [risos].

A música está por todo lado e a internet é um grande supermercado repleto de “marketing” invisível. E nada espelha melhor esse estado de coisas do que os grandes festivais.

"Eles são a pior parte da minha profissão. Aquilo junta uma infinidade de gente que está lá para comer, beber, cuja banda não vem porque está longe e nem ouvem direito porque o som está horrível. Não tem interesse, é apenas consumo", garante.

A crítica de cinema

Na grande pátria da crítica de cinema, da 'Nouvelle Vague' e dos Cahiérs du Cinéma, a 'Les Inrock' achou o seu nicho. Segundo Monfourny, de forma muito menos elitista do que frequentemente se supõe.

"Há lá críticos capazes tanto de bater em filmes independentes ‘mauzinhos’, que não são bons apenas por serem ‘indies’, como gostar de um ‘blockbuster’ de Hollywood. Houve um amigo que foi agredido na rua por ter chamado ‘O Fabuloso Destino de Amélie’ [2001, de Jean-Pierre Jeunet] de ‘coleção de cartões postais de Paris’! [risos]

Ainda segundo o fotógrafo, em França a tendência é dizer bem de tudo que é pequeno e falar mal do que é 'mainstream'.

“Há muitos artistas que depois de elogiados pelos críticos repetidamente transformam-se numa espécie de ‘mainstream’ para os ‘indies’”, conclui.