A HISTÓRIA: Jean Seberg (Kristen Stewart) é uma estrela do cinema francês dos anos 1960, cujo envolvimento com grupos de defesa de direitos humanos leva o FBI a lançar uma campanha de perseguição que a conduz para lá dos seus limites.


Há uma dívida antiga da indústria do cinema, que já antes tinha tentado homenagear Jean Seberg. Este filme de Benedict Andrews quer liquidar essa dívida, mostrando o contributo da icónica atriz de "O Acossado" (1960) para a luta dos direitos humanos e o exemplo de resistência que conseguiu ser - até não conseguir mais.

Apesar disso, tomados pela emoção da missão, os argumentistas, Joe Shrapnel e Anna Waterhouse, deixaram-se levar e em vez de uma narrativa, esta é uma tentativa de vingar a sua memória, chamando à ribalta o FBI de J. Edgar Hoover pela perseguição que lhe moveu.

No centro das atenções está Kristen Stewart, que faz uma gestão irregular da carga emocional de Jean Seberg, o que traz incoerência à interpretação.

O registo varia: é destemida nas cenas do envolvimento com o ativista Hakim Jamal (Anthony Mackie), que lhe merece humilhação pública quando é exposto, mas não há vergonha ou remorso nos momentos com o marido, Romain Gary (Yvan Attal).

Vemo-la também mais perturbada ao saber que está a ser vigiada do que quando diz a um batalhão de jornalistas que a sua filha morreu com apenas dois dias de vida, depois de uma gravidez aterrorizada por rumores sobre a paternidade da criança, lançados pelo FBI. E há um momento, perto do fim, em que ficamos mais abalados pela sensação de impotência do que pela expressão (impávida) de Kristen Stewart, que quase passa por auto-controlo de Jean, misturado com conformismo, álcool e comprimidos.

A interpretação até pode ser o que mais fica na memória, mas não é memorável. É somente o fator-estrela que traz alguma atenção a "Seberg - Contra Todos os Inimigos". O cabelo curto loiro que a caracterização copia com mérito não é suficiente para carregar às costas todo um filme, ainda que seja um elemento chave na cena em que Jean desce do avião (vestido amarelo, com bainha à anos 60), antes de se juntar aos ativistas liderados por Hakim, de punho em riste, para uma boa oportunidade fotográfica.

O espírito militante dos argumentistas justifica ainda a existência de Jack Solomon (Jack O’Connell), agente especializado em escutas que toma conta da vigilância, encaminhado para a redenção quando lhe começam a parecer excessivas as manobras de intimidação para que a atriz interrompesse o financiamento a organizações como o Black Panther Party.

A narrativa dispensava esta evidência, mas os argumentistas insistem na polarização: de um lado, temos o FBI, que persegue, mente, intimida; do outro, uma mulher que merecia ser vista como mais do que uma vítima.

"Seberg - Contra Todos os Inimigos" não quer ser "biopic", mas sim um excerto de uma vida, ao jeito de “Judy” (2019), que recentemente valeu o Óscar a Renée Zellweger. Se assim é, porquê começar com uma réplica da cena de "Santa Joana" (1957), em que Jean interpreta Joana d’Arc, uma experiência com o tirano cineasta Otto Preminger que a traumatizou para a vida? É certo que a vemos referir-se às cicatrizes das queimaduras, mas nem Kristen Stewart nem o realizador fazem dessa uma experiência com impacto visível na protagonista.

"Seberg - Contra Todos os Inimigos" tem o coração no sítio certo, mas fica longe de ser uma grande homenagem à estrela que Godard fez nascer no cinema francês.

"Seberg - Contra Todos os Inimigos": nos cinemas a 20 de fevereiro.

Crítica: Filipa Moreno
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