
O cenário, da autoria de Hélio Eichbauer, e que incluía quatro telas, serviu de casa ainda à banda Cê - Pedro Sá (guitarra), Ricardo Dias Gomes (baixo e teclado) e Marcelo Callado (bateria) -, que acompanhou o músico nos álbuns ‘Cê’ (2006), ‘Zii & Zie’ (2009) e, agora, em ‘Abraçaço’, lançado no final de 2012. Aliás, esta é a última tournée em colaboração com a banda, que veio imprimir um cunho mais rock à música do cantor brasileiro.
Enérgico, brilhante, com muita expressividade, Caetano Veloso conseguiu fazer com que muita gente se levantasse para dançar e gritar, como se estivéssemos perante uma estrela rock. Não é rock, mas é bossa nova, e é precisamente esse tema, ‘A Bossa Nova é Foda’, que abre a festa. Uma canção que evoca nomes como João Gilberto, Carlos Lyra, Machado de Assis ou Vinicius de Moraes e que, ao contrário do nome, não tem batida de bossa nova, mas antes uma melodia marcada pela guitarra de Pedro Sá.
Entre ‘Abraçaço’ e uns quantos temas mais velhinhos, Caetano foi revelando por que é ainda um dos preferidos dos públicos brasileiro e português. De camisa branca, calças pretas e uma viola branca, o músico foi cantando e dançando ao longo da noite.‘Coração Vagabundo’, do álbum ‘Domingo’, de Gal Costa e Caetano Veloso, é um dos interregnos para o trabalho mais recente, ao qual Caetano dedica a maior parte do espetáculo.
‘Quando o Galo Cantou’ e ‘Abraçaço’ – cujo nome tem origem na forma carinhosa como Caetano Veloso se despede dos amigos – são os temas que se seguem, com a banda Cê a largar os instrumentos e a juntar-se a Caetano para recriar a capa de ‘Abraçaço’, onde se vê uma série de braços surgindo atrás do cantor.
“Quem aqui faz anos hoje?”, pergunta, a dada altura. Ouve-se um coro de “Eu!” e adivinha-se a canção que se segue: ‘Parabéns’, do mais recente trabalho. “Para todas essas pessoas que disserem ‘eu’, ainda que algumas não estejam dizendo a verdade, mas para aqueles que estão dizendo, vamos cantar a próxima canção", anunciou. Esta foi a primeira vez que se dirigiu ao público, o que só se viria a verificar novamente na despedida. Mas não era isso que se esperava ontem à noite. O que se esperava era emoção - e isso houve de sobra.
Voltamos ao passado mais recente com ‘Homem’, do álbum ‘Cê’; ao presente, com ‘Um Comunista’, sobre o guerrilheiro Carlos Marighella; e novamente ao passado, com ‘Triste Bahia’, da autoria de Gregório de Mattos, incluído no album ‘Transa’, de 1972.
O tema ‘Estou Triste’ ficou marcado por duas coisas: a forma serena e doce com que Caetano o interpretou e os berros de uma fã que não parava de gritar, e a quem muitos pediam silêncio. Aquele que podia ter sido um dos momentos mais intimistas e graciosos do espetáculo acabou manchado por um gritaria desnecessária.
‘Odeio’, de ‘Cê’, e ‘Escapulário’, da autoria de Oswaldo de Andrade e incluído em ‘Joia’, de 1975, foram mais duas do passado, antes do regresso a ‘Abraçaço’, com ‘Funk Melódico’.
E depois da energia da canção e do músico, que dança e vem até à boca de cena, instigando o público a mexer-se, chega a calmaria com ‘Alguém Cantando’, de ‘Bicho' (1977).
‘Quero Ser Justo’ e ‘Eclipse Oculto’ continuam a festa que, no tema seguinte, ‘De Noite na Cama’, provoca muitos assobios e suspiros na plateia, quando Caetano Veloso simula um strip tease ligeiro, ao desabotoar a camisa.
De volta a ‘Abraçaço’, com ‘Império da Lei’, para voltarmos ao sambinha bom e ao ritmo quente de ‘Reconvexo’, um tema escrito por Caetano para a sua irmã Maria Bethânia.‘Você Não Entende Nada’, que o músico havia gravado com o amigo Chico Buarque, em 1972, leva o público ao rubro.
“Eu quero ir-me embora/ Eu quero é dar o fora/E quero que você venha comigo/ E quero que você venha comigo”, canta Caetano, em jeito de despedida. O público canta com o músico, que sai do palco, deixando apenas os músicos com o público. Mas antes, Caetano, sempre sorrindo, desceu do palco e veio até à plateia, para dizer pessoalmente ‘adeus’ a todos.
Quem aqui veio, sabe que o carinho e a emoção prevalecem num espetáculo assim, por isso, é normal ver Caetano regressar, novamente com a sua viola branca, a cantar o único tema em inglês da noite, ‘Nine Out of Ten’, de ‘Velo’ (1984).
‘Leãozinho’ é uma daquelas canções do músico que toda a gente reconhece, mesmo que não conheça bem o resto da sua obra. E, claro, todos a cantaram.
“Obrigado, Lisboa, por me ter recebido novamente”, despede-se o cantor, antes de entoar ‘Luzes de Tieta’. Nesta altura, já todos dançavam junto ao palco, e os poucos resistentes já se haviam juntado à festa. Porque foi de festa que se tratou. Com 70 anos cumpridos no ano passado, Caetano Veloso continua a meter muito jovem no chinelo. Traz com ele a experiência e uma carreira com mais de 45 anos, mas traz também uma emoção e uma ligação com as pessoas que só um músico com uma alma tão generosa consegue criar.
Caetano é um menino da Baía quando está em palco. E, por isso, quebra regras, como aquela que o fez voltar ao palco, já as luzes do Coliseu se haviam acendido e muitos já se deslocavam para a saída. Para acabar ficou ‘Força Estranha’, também conhecida na voz de Gal Costa: “A vida é amiga da arte/ É a parte que o sol me ensinou/ O sol que atravessa essa estrada que nunca passou/ Por isso uma força me leva a cantar/ Por isso essa força estranha/ Por isso é que eu canto, não posso parar/ Por isso essa voz tamanha".E, quem canta assim, não precisa de dizer muito mais.
Texto: Helena Ales Pereira
Fotografias: Marta Ribeiro
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