Pedro Oliveira; bateria, André Simão, voz, guitarra e baixo; Graciela Coelho, voz e teclados; e Ricardo Cibrão, teclados e guitarra, compõem esta banda que se formou em 2010. Da formação original saiu Paulo Araújo e entrou Cibrão. Em março de 2011, editaram “Birth of a Robot”, composto por seis canções, que foi apresentado ao vivo, em locais como Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães; Theatro Circo de Braga;ou Hard Club, no Porto; entre muitos outros. Foi ainda durante este tempo que começou a surgir a génese do segundo trabalho, o LP “Taxi Ballad”, editado pela PAD, que já havia editado o anterior, e lançado no passado dia 6. Um conjunto de nove canções intimistas que nos convidam a entrar para uma sala onde os movimentos se fazem sem pressas e onde as vozes escoam para dentro de nós, sem qualquer tipo de intromissão. Para ouvir devagar.

PP – O vosso nome – dizem – é inspirado no filme “Dear Phone”, de Peter Greenway. A vossa intenção, essa, era “deixar expressa a vontade de cantar soap operas e melodramas de bolso, em composições duras e frugais”. Isto quer dizer exatamente…

Pedro Oliveira – O André é que pode explicar bem isso… (risos)

André Simão – Nós temos formas diferentes de estar na banda, o que é ótimo. O Pedro é muito mais espontâneo e intuitivo do que eu - é um músico com mais garra, com mais força. Eu tenho tendência para pensar de mais sobre o universo da banda e é natural que algumas afirmações surjam num contexto mais meu do que dele. Essa afirmação tem a ver com o nome da banda, que teve origem, como disseste, nesse filme. Esse filme fala muito sobre a incomunicação, como é que chegas ao outro com mensagens às vezes troncadas. O filme trata disso com uma espécie de dramatismo denso e nós achámos que tinha tudo a ver connosco. Não só gostamos do filme, como gostamos do que nos faz lembrar: tanto das adolescentes que passam horas ao telefone, sendo este um instrumento de partilha e alegria, como do velhote, sozinho em casa, com um telefone que é a sua última ligação com o mundo, como do drama do telefone que não toca. Isso tinha tanto a ver com o universo das letras que nós estávamos a compor na altura que Dear Telephone fez todo o sentido.

Palco Principal – O vosso trabalho remete quem o ouve, por vezes, para o universo dos The XX…

AS – Não sei… O conceito das duas vozes é um pouco clássico. O feminino/masculino é um clássico da música pop, acontece em muitos duetos da pop mais mainstream e mais lamechas, como Kenny Rogers e Sheena Easton, ou numa tradução mais diferente, como Johnny Cash e June Carter, Lee Hazlewood e Nancy Sinatra. Há uma longa linhagem. Apesar de não ser um formato assim tão comum, não deixa de ser um clássico.

PP – Referia-me, essencialmente, à sonoridade das vossas vozes…

AS – Temos uma característica que cria uma abordagem muito parecida com a dos The XX, que é fazermos muitos uníssonos, de cantarmos no mesmo tom a mesma frase musical – isso cria alguma afinidade, alguma semelhança. De resto, em termos de linguagem e de estética, acho que já não há muitas semelhanças. Somos mais influenciados por alguns desses duetos mais clássicos, pelo conteúdo das suas letras, pela forma como se brinca com a ideia da personagem… A nossa linguagem é um pouco mais teatral.

PP – A Graciela tem uma voz excelente, muito expressiva, além de uma presença muito cool. Tem formação musical?

AS – Sim, tem formação, tem uma voz muito treinada. A voz é o instrumento de formação dela e isso nota-se na forma como a trabalha. Neste disco, por exemplo, já reclamou mais espaço.

PP – Parece que não faz qualquer esforço a cantar…

AS – Tem muito a ver com a personalidade que ela criou nesta banda. Não sei como será no futuro, mas ela parece querer construir uma persona musical como cantora que passa sempre essa ideia de pouco esforço. Ela gosta de sentir que o tema lhe escorregou. Nós gravámos, inclusive, uns temas ao vivo, nas Oliva Sessions, e fizemos um preview do som gravado, e o primeiro comentário dela, depois de ter ouvido, foi: “na gravação estou a parecer demasiado esforçada”. E isso, obviamente, implica um conhecimento e uma disciplina do próprio instrumento, que será mais fácil para quem tem essa formação e um talento natural.

PP – O vosso primeiro trabalho, “Birth of a Robot” (2011), conta apenas com seis temas. Como correram as apresentações ao vivo do mesmo, com uma discografia tão «limitada»?

PO – Fizemos o primeiro concerto a meias com os Astroboy e as atuações encaixavam-se bem, mas, a partir de determinada altura, começaram a surgir os espetáculos em nome individual e então tivemos que começar a fazer mais coisas, a ser mais objetivos, a construir um espetáculo.

AS – Assim de repente, lembro-me de duas canções que foram compostas ainda na ressaca do primeiro – a Let me rest on your coach e a Dearest knight in shining armour. Ah, e a versão do Revelator. São três temas que surgem pouco tempo depois de termos editado o EP, precisamente nesses concertos de que o Pedro fala. São temas que já estão no nosso repertório há muito tempo e que entretanto foram revisitados, alterados e limados para o novo álbum.

PP – E assim nasceu “Taxi Ballad”, um trabalho muito intimista…

PO – É verdade, é o tipo de trabalho que sabe bem ouvir numa sala pequena, como uma Aula Magna, em Lisboa, ou um Hard Club, no Porto.

PP – Mas vão tocá-lo, este mês, ao Optimus Primavera Sound. Como é que pretendem criar uma ligação com o público num espaço tão grande?

AS – Respondo-te a isso com o exemplo de um concerto que vi há muito pouco tempo, no Paredes de Coura, dos Red House Painters, que são uma banda ultra intimista, uma banda «take your time», em que as canções escorregam muito lentamente. Na altura, queria muito mais ver outras bandas do que essa, mas, quando os Red House Painters começaram a tocar para uma plateia que estava bastante composta, tiraram o fundo do palco e as luzes passaram a iluminar só as árvores que estavam atrás do mesmo, sendo que a única coisa que vias naquele fundo sonoro eram umas árvores que se mexiam muito lentamente com o vento, o concerto ficou absolutamente brutal!

PO – Lembro-me que fiquei com a mesma sensação do que o André quando vi esse concerto. Às vezes, acho que tem a ver com a maneira como cozinhas a tua apresentação, a maneira como tomas o teu tempo. E depois há uma série de fatores, como um alinhamento ajustado ao local. Nós fomos convidados para tocar no Optimus Primavera Sound com as nossas músicas, com o nosso som. A organização desse festival é bastante criteriosa. Trata-se de um festival que é, de certa forma, um ovni no meio dos outros. É muito bom irmos tocar num festival que, no ano passado, adorámos. E encontrar um público mesmo disponível para a música que, hoje em dia, acaba por ser difícil encontrar. Cada festival tem as suas mais-valias. Para nós, seria mais complicado tocar no palco principal de um outro festival mais convencional ou para um público mais alargado do que tocar no Optimus Primavera Sound, que não é tão intimidativo.

AS – Eu acho que, às vezes, também há um erro de análise e, muitas vezes, também subestimamos o público. O público que vai a um Optimus Primavera Sound é informado. Não somos nós que nos precisamos de posicionar para ir a um Optimus Primavera Sound - é também o público. Há os que conhecerão, outros não, mas acho que não pensam: “esta banda é lenta, vou-me embora”. Não funciona assim. Este público tem uma relação crítica com aquilo que está a ver e tem que se encaixar. Há muitos fatores que podem determinar o sucesso, ou não, de um espetáculo, mas há dois fundamentais: a banda e a forma como ela aborda o concerto, e o saber esperar pela resposta do público, pela sua sensibilidade.

PO – Há festivais onde o nível de resistência do público é muito maior.

PP – Em “Taxi Ballad” encontramos um dueto da música country, interpretado pela Gillian Welch e pelo David Rawlings. Porquê uma cover de um tema que vem de um universo tão diferente?

AS – Acontece que, no início da banda, quando ainda não sabíamos muito bem o que ia acontecer com as nossas vozes, como é que elas iam encaixar, a nossa principal fonte de inspiração era o country e a maneira como a dualidade homem/mulher é explorada nesse género – por vezes até de uma forma um pouco básica, um pouco machista, com o homem no seu lugar e a mulher no seu. Numa primeira fase, o country foi a nossa inspiração para compor vozes, ainda que a nossa música não tenha nada a ver com country em termos de linguagem final. Mas as vozes foram inspiradas aí e há, aliás, muitas subtilezas e piadas nos discos que têm muito a ver com isso. Um exemplo evidente, pelo menos para nós, está no tema That violin lesson sucks.

PP - …que é, precisamente, o tema de apresentação do álbum…

AS – Sim, e há também um tema do Hank Williams, Hey you good lookin, que é uma canção country até ao tutano, cuja letra, parte dela, e até a melodia nós recuperámos, de uma forma muito subtil. Mas na canção, ele, Hank, dirige-se a uma mulher, algures no faroeste. É uma história de amor básica, com algumas palavras machistas, tal como Hank Williams consegue fazer – e muito bem. Nós pusemo-la num universo muito diferente, numa personagem desencantada que sonha com outra, que não se percebe se é real ou não, que fala francês e toca violino. Não tem nada a ver com a de Hank Williams, mas a inspiração vem direitinha daí. No primeiro EP, também temos uma canção, que é do Arthur Russel – a Close my eyes – que é, na sua génese, uma canção country, folk. O country é um estilo e um universo que nos serve bastante de inspiração, nomeadamente nas vozes, apesar de ter muito pouca expressão na nossa sonoridade, no resultado final.

PP – A Hardly the kind of stuff to inspire social chronicles passou de um disco para o outro. Porquê o reaproveitamento?

AS – É uma reinterpretação. Trata-se de uma canção que estava bastante escondida no EP. Por alguma razão, as outras canções tiveram outra expressão e recolheram outra simpatia por parte do público. A Providence gerou o videoclip; a The door was white foi a canção de lançamento e está duas vezes no disco – na abertura e no fecho -, ainda que de forma diferente; a Close my eyes, que era a versão do Arthur Russel… E, de repente, esse tema, que tinha sido o primeiro tema a ser criado por nós, tinha ficado esquecido no EP. Então, quando estávamos a preparar o alinhamento do álbum, resolvemos criar uma linguagem muito diferente para essa música, que aqui ganha uma introdução muito diferente, à semelhança do que faziam os Penguin Café Orchestra, que criavam várias versões da mesma canção, numa espécie de paranoia perfecionista: faziam uma canção com uma espécie de instrumentação que depois, no trabalho seguinte, ficava de lado. Mas, no seguinte, voltavam a gravá-la com outros instrumentos. Não sei qual era o objetivo deles, mas eles pareciam querer melhorar os temas até ao fim. Entretanto, o Simon Jeffes, um dos fundadores, morreu e as versões acabaram por aí. Mas nós não conseguimos resistir a levar para o LP um tema que estava melhor, para fazer uma ponte entre um trabalho e o outro.

PP – Agora que “Taxi Ballad” já está cá fora, o que mudariam?

AS – Tenho a sensação que, em questões fundamentais do álbum, não modificava nada, seja no som, na forma como gravámos, no alinhamento dos temas, no arranjo, enfim, nas opções fundamentais. Simpatizo com elas, apesar de as termos feito há quatro ou cinco meses. Ainda não tenho nenhuma amargura que me possa fazer dizer: “tinha feito de uma forma diferente”. Posso ter tido algumas expetativas em relação a alguns temas que acabaram por resultar diferentes do que esperava.

PO – Tínhamos várias versões da Let me rest…, por exemplo, várias coisas que poderíamos usar, mesmo de captações ao vivo. Delineámos uma série de coisas para essa música, mas, depois, a gravação acabou por ser uma fotografia do momento. Quando se tem um disco e se olha para ele dali a não sei quanto tempo, provavelmente alguma coisa mudar-se-ia, mas esse é o tipo de situação que as pessoas têm de ser convencer que não é possível. É como uma fotografia de um determinado momento que não consegues apagar. É um momento e nessa altura fez todo o sentido assim. No nosso caso, estamos mesmo muito satisfeitos com o resultado final, mas, de certa forma, os músicos devem encarar os discos dessa forma. O disco é o resultado de uma série de opções de um determinado momento e não há que tentar especular.

PP – Quando compõem, partem da música para a letra ou vice-versa?

AS – Tivemos um processo muito claro e definido até uma certa altura, mas, entretanto, decidimos desconstruir esse processo. Durante muito tempo – e em algumas músicas que estão no disco isso é muito evidente -, as letras surgiam primeiro, depois a melodia base e, finalmente, as vozes trabalhadas em conjunto. Com a entrada do Ricardo, resolvemos voltar a tentar fazer algo em que tínhamos falhado redondamente no princípio, que era chegarmos à sala de ensaio e tocar – que é o que acontece com a maior parte das bandas. Com a entrada do Ricardo, pensámos fazer um ensaio, para ele perceber como funcionávamos, e ele começou logo a contribuir quase espontaneamente e, sem falarmos uns com os outros, começou a haver espaço para tentarmos outras coisas, um bocado de jam… Hoje, contamos com pelo menos dois temas que já foram feitos em ensaio, com uma estrutura diferente: ensaio em jam, vozes compostas por cima daquela estrutura musica e, finalmente, a letra com alguns ajustes. E resultou. Veremos como será o futuro, mas este álbum acaba por ser um híbrido das duas formas de composição.

PP – “Taxi Ballad” foi tocado ao vivo, pela primeira vez, dois dias antes do respetivo lançamento. Como reagiram as pessoas?

AS – Com alguma surpresa, pois não conheciam a maior parte dos temas, mas também com muita curiosidade. No final, disponibilizámos o CD. Mas num primeiro concerto é muito difícil estar atento a qualquer coisa que se passe fora do palco, porque estamos muito concentrados.

PO – Houve uma série de músicas que foram tocadas pela primeira vez nesse dia, por isso houve uma série de automatismos que tivemos que desenvolver em cima do palco que não nos permitiram desviar a atenção.

Helena Ales Pereira