Quase 30 anos depois de "Worst Case Scenario" (1994), estreia que os colocou no mapa do melhor rock europeu (e em tempos dito alternativo) da sua geração, os dEUS editaram em fevereiro "How to Replace It", o aguardado oitavo álbum.

Primeiro registo desde o já distante "Following Sea" (2012), interrompeu finalmente o mais longo hiato discográfico de um percurso que não abandonou os palcos - e que incluiu a Soft Electric Tour, em 2015, que passou por Braga e Lisboa, ou a digressão de aniversário de "The Ideal Crash" (2009), que teve as primeiras datas internacionais em Portugal, em 2019.

De regresso ao Coliseu dos Recreios no próximo domingo, 2 de abril, a banda de Antuérpia apresenta um álbum que não estará entre os mais imediatos da sua obra, mas que também não trai as expectativas de quem continua a procurar nos dEUS a escrita de canções tão exigente como eloquente, aliada ao carisma do seu vocalista. E foi com ele mesmo, o bem humorado e entusiasmado Tom Barman, que o SAPO Mag falou, via Zoom, sobre a fase atual do grupo, a vida dos últimos anos, o regresso a Portugal ou as "grandes aritméticas" da escolha dos alinhamentos dos concertos:

SAPO Mag - "How to Replace It" chega mais de dez anos depois do disco anterior. Nunca tinha havido um hiato tão longo entre discos dos dEUS. A que se deveu?
Tom Barman - Não faço ideia. Talvez quiséssemos fazer um intervalo depois de tocarmos com a mesma formação durante uns 20 anos. É muito tempo para qualquer banda. Tive os TaxiWars, fotografei, tive alguns programas de televisão. Gostei de ir fazendo outras coisas. Até que em 2018 começámos a pensar em regressar, e assim foi. Voltámos em 2019, mesmo antes da pandemia.

dEUS

Mencionou os TaxiWars, e através deles continuou a criar canções durante este intervalo. Mas havia alguns temas que quisesse abordar especificamente em canções dos dEUS?
Nada... só queria fazer boas canções. Este é o nosso oitavo álbum, já temos o nosso estilo, mas é um estilo muito eclético e não queremos repetir-nos. Mas uma boa canção é uma boa canção. Fazemos muita música, mas a seleção [para o álbum] tem de ser boa. Já tive a má ideia de pensar no conceito, na ideia, antes de compor a canção, mas não correu bem. O assunto é a vida, e a minha nos últimos anos teve muitas desilusões amorosas, muitas questões familiares, e isso é bom para a criação artística.

Não editaram álbuns nestes últimos anos mas voltaram aos palcos, incluindo aos portugueses. Uma dessas ocasiões foi na digressão que celebrou os 20 anos de "The Ideal Crash", em 2019. É um formato que consideram retomar para celebrar outros discos?
Estás a gozar? Acabámos de fazer um novo álbum. [risos]. Não! Vamos ver... Mas foi muito divertido, adoro tocar esse álbum. Mas não é algo em que estejamos a pensar para já.

Não dizia para já, mas uma vez que celebraram o aniversário desse disco, os fãs poderiam esperar o mesmo com outros? Porque é que escolheram esse em particular?
Desculpa a resposta chata, mas aconteceu porque o nosso manager nos desafiou. Nem me tinha apercebido da data, não queria saber, não gosto de nostalgia. Mas disse, "porque não?". As pessoas acham que queremos viver do passado por demorarmos muito tempo a lançar um álbum, mas na verdade acontece o contrário. Demoramos muito porque queremos surpreender e oferecer um bom disco. E isso não é fácil.

Tom Barman
créditos: Lusa

Por falar um nostalgia, escolheram para um dos primeiros singles do novo álbum uma canção com um título nostálgico, "1989". E como foi editada alguns meses antes do disco, talvez já vá ser recebida de forma algo efusiva nos concertos...
Os fãs já tiveram tempo para a digerir.

Sim, já lhes é familiar.
Boa observação. Sim, os concertos estão a correr muito bem, mas quanto mais avançamos na digressão, melhor é a reação do público às novas canções. Quanto à "1989", é nostálgica num certo sentido. É o ano em que o meu pai morreu, por isso não fala de mim a querer voltar a 1989. Não foi um grande ano, para ser sincero. Mas sim, tentámos que tivesse uma sonoridade reminiscente dos anos 1980. E depois estou a ficar mais velho e às vezes tenho de olhar para trás. É a natureza das coisas, é normal, a trajetória que tens atrás das costas torna-se maior. Às vezes, é bom fazer isso. Mas gosto de criar coisas novas, a minha inclinação natural é olhar para a frente.

Mencionou o tempo que o público demora a habituar-se às novas canções. Leva isso em conta na fase de escolher os alinhamentos dos concertos? Como o faz numa digressão? A seleção varia em função do momento, da cidade, ou não há grandes variações?
Meu amigo Gonçalo, é muito complicado... Demoramos seis ou sete concertos a entender o raio da álgebra dos alinhamentos. Vejamos, oito álbuns, muito ecletismo, e cada álbum também é muito eclético. Foi uma grande dor de cabeça, mas se olhares para o meu sorriso, vês que é uma dor de cabeça de que gosto, porque gosto de resolver esse desafio. É matemático, é emotivo, é tenso, é libertador. Tem de ter o seu próprio arco e espero acertar. Mas não espreitem os alinhamentos dos concertos anteriores na internet, isso estraga a piada toda.

dEUS

Pequenas aritméticas, portanto...
Grandes aritméticas! [risos] Deixaram-me louco. Não conseguia dormir, literalmente, durante os primeiros concertos, porque não estava a funcionar. É um puzzle... Mas acredito que agora temos um bom arco.

Já tiveram muitos pedidos de canções dos fãs ultimamente?
Ah, eles são porreiros. Temos um ótimo público. Sei que quer ouvir coisas específicas, claro, e na maioria das vezes acabamos por tocá-las. Às vezes não podemos, por acharmos que não faz sentido ou porque não estamos para aí virados. Também somos humanos e também temos os nossos gostos [risos]. É pegar ou largar. Mas claro que queremos assegurar uma noite satisfatória para todos, oferecer algumas surpresas, o que também é divertido para nós.

A digressão vai motivar mais um regresso a Portugal. Passa muito tempo cá desde há muitos anos e até vive cá durante alguns meses. O que o faz voltar sempre?
Tudo. Gosto da comida, das pessoas, tenho aí amigos, gosto de viajar por aí, descobrir novos locais... Gosto do oceano, venho de uma família de capitães e de pessoas com ligações fortes ao mar. Estou a contar viver aí para sempre, na verdade. Estou a preparar uma mudança aos poucos. Gosto da Bélgica, não me entendam mal, Antuérpia é uma grande cidade, mas tenho de estar cada vez mais em Portugal.

Tom Barman
créditos: Lusa

A propósito da Bélgica, os dEUS surgiram numa altura em que havia uma cena musical local muito dinâmica e expressiva, ao lado de bandas como os Zita Swoon, mais tarde os Millionnaire, ou os Hooverphonic e os Soulwax, estes numa vertente mais eletrónica. Como está esse cenário agora?
Está muito bem. Ouçam a Sylvie Kreusch, ela canta no nosso álbum, é uma grande artista. Os Haunted Youth são ótimos. Ou os Meltheads, uma banda com quem andámos na estrada, com um som muito internacional. Continua a ser uma fase muito vibrante na Bélgica. Como dizes, as cenas são diferentes, mas todos esses artistas têm um toque e ecletismo belga. Todas essas bandas que mencionaste são da minha geração, mas a nova geração também é incrível. Os Balthazar ou os Warhaus surgiram um pouco depois, mas há alguns mais recentes que vale muito a pena conhecer. Investiguem...

E o que tem ouvido por estes dias? Essas bandas que lhe estão mais próximas? Música mais antiga? Recente? Como são os seus hábitos musicais?
São muito ecléticos. Ouço alguma rádio de manhã, depois mudo para música clássica ou jazz. Mas também muita música eletrónica e rádios digitais. A Futura, que é portuguesa... E claro, também procuro música nova online. Nos últimos dois meses, tenho ouvido muita.

Há algum artista ou álbum que o tenha surpreendido em particular?
Estou a ouvir o novo álbum de Fever Ray ["Radical Romantics"]. Não sendo um novo artista, é sempre incrível.

Os dEUS atuam a 2 de abril no Coliseu dos Recreios, em Lisboa. A primeira parte está a cargo dos portugueses ÃO, a partir das 21h00, com abertura de portas às 20h00.

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