"Bubblegum Bitch" até é um bom arranque, com uma pulsão new wave e os tiques vocais que nos fizeram gostar do álbum anterior. E ficamos logo a conhecer um pouco desta Electra Heart através da obstinação e cinismo que se mantêm ao longo do alinhamento ("I wanna be adored/ I'm the girl you'd die for (...) I'll chew you up and I'll spit you out/ ‘Cause that's what young love is all about").
"Primadonna", logo a seguir, prepara-nos melhor para o que se segue quando nos obriga a baixar as expetativas e a confirmar se não fomos parar a um disco de Katy Perry. A desconfiança justifica-se quando reparamos que Dr. Luke, um dos produtores da cantora de "I Kissed a Girl", foi recrutado para o tema - e essa escolha reflete uma das principais diferenças face a "The Family Jewels", cuja produção esteve quase sempre a cargo de Liam Howe e aqui foi entregue a quatro nomes, o que talvez explique o resultado irregular.

Temas como este ou como "Homewrecker", embora contem com saudáveis pitadas de veneno nas letras ("They call me Homewrecker/ Homewrecker (I'm only happy when I'm on the run) (...) (I broke a million hearts just for fun)", perdem a graça quando são embalados em eletrónica dançável genérica, colada aos lugares comuns da produção mainstream do momento.
"Lies" ou "Starring Role", menos viradas para as pistas, são propostas midtempo em que o melodrama é mais maquilhagem do que substância, sugerindo que Electra Heart não é muito mais recomendável do que as estrelas que Marina retrata e satiriza.
Mais à frente, a meio do alinhamento, "Power & Control" quase nos convence do contrário: não tem o requinte do melhor de "The Family Jewels", mas é uma potente pastilha elástica de sabor gótico, capaz de ombrear com os singles mais incisivos de uma Lady Gaga.

A reta final de "Electra Heart", contudo, não ajuda a retirar o disco da lista dos falhanços interessantes. Há pormenores a ter em conta: a voz maleável de Marina, que saltita entre o registo grave e agudo sem cair no exibicionismo, pontuais melodias viciantes, um ou outro refrão forte... Já canções memoráveis, nem tanto, mas vale a pena esperarmos até ao final para sermos recompensados com "Fear and Loathing".

Balada etérea que se estende além dos seis minutos, é das canções em que Marina se leva mais a sério, numa espécie de ato de contrição face ao egocentrismo e sede de fama dos episódios anteriores. Bad girl em busca de redenção, Electra Heart deixa cair a máscara ("I've lived a lot of different lives/ Been different people many times") e, ao melhor estilo de Madonna por alturas de "Ray of Light", opta por eletrónica contemplativa com lição humanista ("And now I see, I see it for the first time,
There is no crime in being kind/ Not everyone is out to screw you over/ Maybe, oh just maybe they just wanna get to know ya"). É uma viragem abrupta depois da irrisão das canções anteriores, talvez até demasiado, mas se a encararmos como ponto de partida para os próximos capítulos, ainda podemos ter esperança de que Marina recupere, pelo menos em parte, as jóias da estreia...

@Gonçalo Sá