“Eu vou a jogo” é, de resto, o sétimo tema a entrar em cena do novo disco de Sérgio Godinho, “Mútuo Consentimento”. Uma frase feita lema, que podia definir a própria atitude do cantor e compositor ao longo dos anos perante a vida. Desde os tempos em que ainda jovem se lançou à aventura na Europa, até todos os outros momentos em que Sérgio Godinho não se contentou, aceitou novos desafios, procurou-os (fossem na música, no cinema ou no teatro).

Em “Mútuo Consentimento”, Sérgio Godinho continua mestre das palavras, dos jogos poéticos, da mistura entre temas que tocam nas feridas do país – no tema “Acesso Bloqueado” canta o “défice descontrolado” – a outros que encantam pela simplicidade – em “Linhagem Feminina” há um retrato das mulheres na vida do cantor.

Ao tema que abre o disco, “Mão na Música”, cabe também lugar destacado: um discorrer de definições do que é música, assumindo à partida que essa é tarefa impossível. Um poema falado, em que apenas o refrão é cantado, feito de retalhos que Sérgio foi escrevendo em volta da pergunta “o que é a música”. O refrão deixa a resposta (se ela existe): “A música é tamanha, cabe em qualquer medida”.

Há neste novo disco muito daquilo que começou em 1997 – com o disco “Domingo no Mundo” - quando a Sérgio Godinho se juntou Nuno Rafael na produção dos discos. Novas sonoridades e também um abrir de portas a jovens músicos como David Santos (Noiserv) e Franscisca Cortesão (Minta) que colaboram nos temas “Vida Sobresselente” e “Mútuo Consentimento”, respetivamente.

A lista de colaboraçõesinclui ainda Sérgio Nascimento em “Bomba-Relógio (tema originalmente composto para a fadista Cristina Branco, mas que ganha aqui novos arranjos), a Roda de Choro de Lisboa em “Intermitentemente” (sete sílabas cheias de balanço brasileiro) e Bernardo Sassetti no tema “Em dias Consecutivos”. Este último uma valsa fantasmagórica, como o próprio a descreveu a Sérgio, e que faz aparecer de repente as personagens de Tim Burton a dançar à nossa frente. Aqui, no entanto, fala-se das vidas urbanas e cinzentas que se repetem em dias consecutivos, “uns já mortos e uns já vivos”.

O velho companheiro de viagem, José Mário Branco, que participou no primeiro disco de Sérgio Godinho há 40 anos – “Sobreviventes” - também vive neste disco no tema “Faz Parte (O retorno das audácias)”, composto para o projeto “Três Cantos”, que juntou Sérgio godinho, José Mário Branco e Fausto num disco e concerto únicos. Um tema que, no entanto, só está disponível numa edição especial em digipak do disco.

“Mútuo Consentimento” deverá ganhar vida completa ao vivo, no palco, nos gestos e expressões que Sérgio Godinho empresta a cada tema. Para assinalar os 40 anos de carreira sera também lançado até ao final do ano um livro de ilustrações de 40 canções do “mestre” Sérgio Godinho. E também está a escrever um novo livro de poemas, mas disso saber-se-à a seu tempo. Não está planeada , ao que sabemos, grande festa de arromba para comemorar os 40 anos de carreira . Mas diríamos que este “Mútuo Consentimento” serve bem a data. Aos 40 anos de discos, cinema, teatro e livros Sérgio Godinho atira-se para a frente. E isso merece os parabéns.

@Vera Moutinho