"Stay the night, stay the whole night", insiste Kele Okereke no último tema de "Trick", uma balada crepuscular e atmosférica que o mostra a baixar a guarda. "Stay the Night" expõe também a faceta mais vulnerável do seu novo disco e fecha um arco, nem sempre linear mas coerente, que vai do início ao final de uma relação amorosa.

Depois do frenesim de "The Boxer" (2010), estreia a solo a confirmar um interesse pela eletrónica já bem evidente em "Intimacy" (2008), terceiro álbum dos Bloc Party, as guitarras voltam a ficar para trás e o percurso em nome próprio torna-se cada vez mais demarcado - e já tinha sido reforçado, de resto, pelos três EPs editados nos últimos anos.

Mas se a opção pela música de dança é determinante, "Trick" não se limita a repisar as pistas do antecessor. Kele tem referido que quis afastar-se dos ambientes eufóricos e enérgicos da estreia e o alinhamento não o contradiz. Shots de adrenalina como "Tenderoni", talvez o tema mais emblemático de "The Boxer", estão bem distantes daquilo que ouvimos neste regresso minimalista e mais subtil - o título bem podia ser "Intimacy", caso os Bloc Party não tivessem pensado nele antes.

Inspirado pelas experiências de Kele como DJ nos EUA e na Europa durante os últimos dois anos, "Trick" concentra-se mais no final do que no início da festa, uma troca percetível logo ao primeiro tema, "First Impressions". É um arranque tão discreto que quase nem damos por ele, mas vale a pena prestar atenção ao flirt com Yasmin Shahmir, voz convidada desta canção de clima downtempo e house insinuante.

Sem ser uma entrada certeira, a canção funciona bem dentro do crescendo da primeira metade do disco, além de sinalizar os ambientes dominantes de "Trick": a revisitação da deep house, 2 step e UK garage, tendência de muita música de dança britânica recente que tem aqui mais um cápítulo meritório.

Ao longo destes dez temas, Kele não aponta novos caminhos mas sabe definir um percurso pessoal, mesmo quando as influências são óbvias. "Coasting", por exemplo, lembra o dubstep soturno e espacial de Burial, aqui integrado num formato canção capaz de tirar partido das suas texturas. É também dos momentos em que a voz dos Bloc Party começa a ensaiar algumas variações no timbre, com uma versatilidade que o resto do alinhamento trata de atestar. Não se livra dos maneirismos (como a entoação carregada do refrão de "Year Zero") habitualmente criticados pelos seus detratores, mas mostra que as surpresas não se esgotam na componente instrumental.

Quem está habituado a hinos como "Banquet" ou "Helicopter" poderá não reconhecer a mesma voz em "Like We Used To", cujo falsete ajuda a aproximar as viciantes ondulações house aos territórios de uns Hercules & Love Affair ou Azari & III (ainda que numa versão mais recatada). A canção fecha a sequência mais forte de "Trick", iniciada em "Doubt", escolha feliz para primeiro single e um dos raros episódios pujantes, e mantida na belíssima "Closer", que também merece ser aposta oficial e deve tanto aos The xx (o cruzamento de vozes masculinas e femininas, a linha de guitarra) como a Katy B (cortesia da convidada Jodie Scantlebury e das intromissões breakbeat em cenário pop).

Menos inspirada, a segunda metade de "Trick" ainda nos mantém interessados nestas deambulações noturnas que entrecruzam corações partidos e esperançosos, espaços movimentados e intimistas, recordações e projeções. Quando a composição não é particularmente inventiva, Kele compensa pela alternância convincente entre o registo grave e agudo, detalhes de produção que encorajam audições repetidas ou um alinhamento bem doseado (entre a eficácia dançável de "Humour Me" e a languidez atrevida de "My Hotel Room"). E assim chegamos, então, ao tal final com "Stay the Night". "Stay the night, stay the whole night, I know that you want to", volta a insistir Kele. Depois de tantas boas impressões, não lhe dizemos que não...

@Gonçalo Sá