No voto de José Pedro Aguiar-Branco, aponta-se que Fausto, que faleceu em Lisboa, aos 75 anos, “deixa um importante contributo cívico e político e dezenas de canções que continuarão a acompanhar e inspirar lutas pela igualdade, pela justiça e pela emancipação”.
“Fausto Bordalo Dias é um dos maiores nomes da música portuguesa”, salienta-se no voto, antes de se referir que o músico lançou o seu primeiro disco “ainda durante a ditadura fascista”.
“Acompanha, com a sua intervenção e a sua música, o período revolucionário de 1974-1975 — lançando o álbum “P’ró que Der e Vier” e ajudando a fundar o Grupo de Ação Cultural - Vozes na Luta (GAC), criado em sua casa. Em 1982, lança “Por Este Rio Acima”, primeiro álbum de uma trilogia sobre a história da expansão portuguesa, completada com “Crónicas da Terra Ardente” (1994) e “Em busca das Montanhas Azuis” (2011). Em 2022, deu na Aula Magna o seu último concerto, assinalando os 40 anos do primeiro álbum desta trilogia”, acrescenta-se.
Fausto era um dos maiores, como disse uma vez José Mário Branco (1942-2019), com quem trabalhou e levou a palco o espetáculo "Três Cantos", em conjunto com Sérgio Godinho.
Nasceu há 75 anos, em 26 de novembro de 1948, em pleno oceano Atlântico, a bordo de um navio chamado Pátria, que viajava para Angola, onde viveu a infância e a adolescência. Cresceu na então cidade de Nova Lisboa, no Planalto de Huambo, mas foi registado em Vila Franca das Naves, Trancoso, no distrito da Guarda, de onde provinham os seus pais.
O seu primeiro grupo integrava-se no movimento pop dos anos 60 e tinha por nome Os Rebeldes. Quando se fixou em Lisboa, em 1968, as opções eram já outras. Aluno do antigo Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina, atual ISCSP - Universidade de Lisboa, onde se licenciou em Ciências Sócio-Políticas, adere ao movimento associativo.
Em 1973, quando já assumia publicamente oposição à guerra colonial, Fausto Bordalo Dias foi considerado refratário, por não se ter apresentado ao serviço militar. Aproximou-se de compositores como José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire e, mais tarde, José Mário Branco e Luís Cília, que já viviam no exílio. Surge como músico acompanhador e nos coros de alguns desses álbuns, destacando-se "Coro dos Tribunais", de José Afonso, publicado no final de 1974, para o qual compôs arranjos.
A sua discografia, porém, começava a afirmar-se. Surge "Pró que Der e Vier" (1974) e "Beco sem Saída" (1975), dois trabalhos marcados pela sua experiência revolucionária. Seguir-se-ia "Madrugada dos Trapeiros" (1977), que inclui o tema "Rosalinda" e marca a sua intervenção social, na oposição à anunciada construção de uma central nuclear em Ferrel, junto a Peniche.
"Histórias de Viajeiros", de 1979, aborda já, pela primeira vez, o tema das Descobertas, abrindo caminho a "Por este Rio Acima" (1982), baseado na obra “Peregrinação”, de Fernão Mendes Pinto.
O álbum marcaria a carreira de Fausto e a música portuguesa. Em 1988, recebe o Prémio José Afonso e, em 1994, é condecorado com a Ordem da Liberdade pelo então Presidente da República Mário Soares.
Em 2011, quando o JL assinalava três décadas de existência e pediu a 30 músicos e críticos musicais para indicarem os 30 melhores álbuns da música portuguesa desse período, o mais citado foi "Por este Rio Acima".
Seguiram-se "O Despertar dos Alquimistas" (1985), "Para além das Cordilheiras" (1987), "A Preto e Branco" (1988), "Crónicas da Terra Ardente" (1994), "A Ópera Mágica do Cantor Maldito" (2003), com uma perspetiva sobre a história portuguesa pós-25 de Abril, e o derradeiro, "Em Busca das Montanhas Azuis" (2011).
Em 2009, com José Mário Branco e Sérgio Godinho, fez o espectáculo "Três Cantos", sobre o repertório dos três músicos, dando posteriormente origem a um álbum com o mesmo nome.
Regressou aos palcos em 2022, 40 anos anos após a publicação de "Por este Rio Acima", para dois concertos na Aula Magna da Universidade de Lisboa. Foi essa a despedida.
Comentários