O cartaz de domingo mostrou-se de difícil escolha. Como optar por umas bandas e não por outras? Como escolher o que se ver?

A opção recai imediatamente pela languidez vivida nos dias anteriores na piscina. De corpo submerso, é com absoluta prostação que assisto ao desenrolar das bandas que se sucedem demasiado rápido. Logo a começar, e a colmatarem os concertos anteriormente cancelados, sobem ao palco as turcas Kim Ki O e os psicadélicos MKRNI. Os corpos mexiam-se languidamente num calor insistente, tão bem a propósito dos embalados ritmos de ambas as bandas.

Mas o fim da tarde não se previa calmo. Com Nazka eos seussintetizadores chilenos e bateria insistente, o público, já todo de pé, pedia por mais, mais música, mais ritmo psicadélico. E a encerrar, de forma completamente hardcore, os Larkin, o quinteto nortenho que muito justamente incendiou o até agora tranquilo palco. "Elements to Our Desires" foi escutado e a piscina dava por encerrada a sua odisseia deslumbrante de diferentes estilos e absoluta boa-disposição.

De regresso ao recinto principal, e em deliciosa alternância entre palcos, vemos com a maior surpresa os Throes + The Shine. Num regresso muito aguardado e com as expectativas muito elevadas, começam a desbravar o ainda recente trilho do rock kuduro e, na opinião dos que assistiram, este foi um dos momentos mais altos de todo o Festival.

Também com ritmos dançantes e apesar dos inegáveis problemas de som e falta de energia, os FM Belfast incendiaram todos num delírio de dança colectivo, ainda o sol despontava. Islandeses de suspensórios, uma menina simpática e ritmo q.b. foram o suficiente para aumentar a excentricidade da noite.

Também no Palco Vice, os Green Machine despedem-se naquele que foi o bastante anunciado derradeiro concerto. Muita emoção, muito crowdsurfing e o merchansdising a ser vendido por apenas três euros (pack dos dois álbunsjuntamente com uma t-shirt).

Num registo diametralmente oposto, os Papa Topo. Eles são apenas dois -a Paulita e o Adrià - e são da maior simplicidade que se possa imaginar. "Oso Panda", tema mais que reconhecível, é um antídoto de boa-disposição e ternura.

Mas o melhor da noite estava ainda para chegar. Electrelane e Washed Out. Ambos dançantes, a apelarem vivamente a olhos fechados e corpos a rodar. A electrónica também pode ser isto, um misto de felicidade parva, lo-fi ternurento de tão bom que é. Elas (Mia Clarke, Emma Gaze, Ros Murray e Verity Susman) regressam a Portugal após um saudoso concerto em Paredes de Coura; ele (Ernest Green) mostra-nos o seu chill out indolente e sintetizadores a remeterem para os ritmos dos anos oitenta. Elas tocam "Bells", "On parade" e"Only One Thing is Needed". Ele apresenta-nos o seu "Within and Without".

Num encerramento digno do Palco Milhões, Radio Moscow. A excitação era muito no início e prolongou-se bastante bem ao longo de todo o concerto. Blues directamente de e para a alma de cada um. Parker Griggs, Zach Anderson e Corey Berry mostraram como estão, desde 2003, num percurso evolutivo desde o seu inicial "Radio Moscow" até ao mais recente "Brain Cycles", já de 2009. "Mistreating Queen" foi indubitavelmente a rainha da noite e eles os seus soberanos.

Mas, porque a noite ainda não estava dada por encerrada, coube aos Secousse a festa total. O melhor ritmo africano dançável, a melhor festa possível, mesmo para os que, como eu, não mexem a anca ao som de batucadas e congas. Aos Secousse cabe a proeza de serem infinitamente festivos e é impossível resistir-lhes. O sol despontou, amanhece e os seguranças encaminham os últimos resistentes para fora do recinto. Numa última tentativa de prolongar uns minutos mais, o público inebriante pede mais uma música e eles tocam, mais uma, mais duas, muitas mais. Todos sentem que o fim se aproxima mas os sorrisos mantêm-se enormes e grandiosos porque todos também sabem que o Milhões está já muito bem guardado no coração de cada um.

Texto: Ana Cancela
Fotografias: Ricardo Almeida