Foi uma noite festiva aquela que se viveu ontem em Lisboa, em que Gilberto Gil apresentou um espectáculo da sua tournée “Pé na Festa”. O ex-Ministro da Cultura do Brasil dançou, cantou e colocou, como se diz na gíria do Brasil, muito «jovem no chinelo», ao mostrar uma vida e uma energia não habituais em alguém que conta já com 71 anos.

Os músicos que acompanham o cantor entram em palco – o baterista e percussionista Jorginho; o baixista Artur Maia; o violinista francês, “apaixonado pela música do sertão”, Nicolas; o percussionista Gustavo, que o acompanha desde os 15 anos; o sanfoneiro Bestinho; e o guitarrista Eugénio, que também toca cavaquinho e banjo. A seguir, ao ritmo de palmas, entra Gilberto Gil com um sorriso permanente no rosto e a abrir com “Pé na Festa”, um forró que é o primeiro de muitos para esta noite, ou não fosse esta música típica do Sertão da Bahia, onde cresceu, depois de ter nascido em Salvador.

Gilberto Gil dedica esta noite aos diferentes tipos de música do nordeste brasileiro e vai explicando a origem, “segundo o mito ou a lenda”, conforme diz, de ritmos como o forró, o xaxado, o shot, entre tantos outros.

A energia do músico é contagiante e Gilberto não para de pular e dançar, para alegria do público que se encontra no Coliseu dos Recreios, na sua grande maioria brasileiros que sabem na ponta da língua todas as canções. “Génio Gil”, “adoro” ou “quente” são algumas palavras que saem da boca de quem aqui se encontra. Ouve-se “Maria Baiana”, de Luís Gonzaga, “Assim, Sim”, de Gilberto Gil, que incita o público a bater palmas e a dançar.

Depois vem a homenagem de Gilberto Gil a Marcos António que, após um período menos bom, em que quase caiu no esquecimento do público, regressou à música, com “Olha Eu Aqui de Novo”. O público reconhece cada canção, cada compositor, cada música, como se fossem as suas próprias histórias.

Gilberto fala da sua infância no Sertão da Bahia e da influência da música típica da região na sua vida, na forma como foi encontrando outros cantores, outros músicos. “Baião da Penha”, dedicada à Nossa Senhora da Penha, padroeira do Rio de Janeiro; ou as canções que celebram o São João, o santo mais popular do nordeste brasileiro, e as festas juninas, as mais importantes daquela região, que homenageiam as colheitas, são os principais temas das diferentes músicas que vamos ouvindo.

Depois de “Vem, Morena”, Gilberto Gil conta a origem de shot, outro género musical do nordeste que terá tido origem na música «scottish» que o rei D. João VI e a sua corte, fugindo às invasões francesas, ouviam no palácio real no Rio de Janeiro. Depois de dois shots, chega a música na versão inglesa. Uma das suas maiores influências, Bob Marley, é o autor de “Three Little Birds” e “Woman Don’t Cry”, esta, na versão de Gilberto, “Não Chores Mais”. O público canta muito e há já uns menos tímidos que dançam junto ao palco, num ritmo que vai aos poucos contagiando todos. “Vamos Fugir” mostra, mais uma vez, que a idade de cada um está principalmente na nossa cabeça, com Gilberto Gil a cantar e a dançar, cada vez com mais energia.

É dessa energia que o músico nos fala. “Como vocês percebem, a música nordestina é uma música muito pulsante, com uma dinâmica muito forte, com muito ritmo, mas no Sertão da Bahia também há canções suaves, baladas. Essa música, da autoria de Dominguinhos, surgiu apenas como instrumental, tocada na sanfona, mas, quando eu o conheci, em 1973, ele me pediu para escrever uma letra para ela e assim surgiu “Lamento Sertanejo””, canta Gilberto Gil, apenas acompanhado pelo violino e pela sanfona. Um momento de tranquilidade e mais intimidade entre o músico e o público que aceita qualquer coisa vinda do palco. Agora, a calma, para logo a seguir irmos à festa.

E esta festa é apenas instrumental, foi escolhida pelo “bretão apaixonado pelo forró”, Nicolas, e dura cerca de sete minutos. Há lugar para jam sessions das percussões, para solos de baixo e guitarras, de violino e até da sanfona. “Olha pró Céu”, mais uma de Luís Gonzaga, fecha a noite com muita dança e com o público todo a dançar.

Depois dos habituais assobios, bater de pés e palmas, Gilberto Gil está de volta ao palco. O encore é feito com duas canções de seguida: “Esperando na Janela” e “Madalena” fecham a noite. A festa acabou aqui, mas continua certamente em todos os locais para onde o público se dirige, dentro de cada um.

E a música é também o mote de um documentário sobre Gilberto Gil, que estreia no próximo dia 15. “Viramundo – Uma viagem Musical com Gilberto Gil” segue o músico por um conjunto de viagens feitas pelo Brasil, África do Sul e Austrália, onde ele tenta perceber de que forma os povos indígenas conseguiram manter a sua cultura, nomeadamente através da música. Um documentário que mostra ainda uma outra preocupação do músico e que foi um dos principais focos da sua política, enquanto Ministro da Cultura: o acesso à tecnologia e o crescimento efetivo da aldeia global.

Texto: Helena Ales Pereira