Embora os Sex Pistols tenham garantido que a edição de "God Save the Queen" nesta data foi uma coincidência, o que é certo é que o seu timing se mostrou certeiro: a polémica ficou devidamente instalada, com uma canção que abanou as estruturas e deu um sabor agridoce às celebrações, e as vendas do single resultaram num tremendo sucesso, apesar do boicote de meios como a BBC e de algumas lojas. Resultado: um dos hinos geracionais mais fortes de então e um dos temas-chave do punk, cuja influência dura até hoje e originou inúmeras versões ou apropriações de artistas tão diversos como Foo Fighters, Nouvelle Vague, Anthrax, The Enemy ou Madonna.

"No future", 35 anos depois

Se a edição de "God Save the Queen" pouco antes do Jubileu de Prata da Rainha pode ter sido uma coincidência, o mesmo não poderá dizer-se da sua reedição, há poucos dias. Este ano, a história repetiu-se e a nova chegada do single às lojas voltou a anteceder o Jubileu de Isabel II - neste caso o de Diamante, comemorativo dos seus 60 anos no trono, que se assinala neste sábado, 2 de junho.

John Lydon, no entanto, demarca-se desta iniciativa e atribui toda a responsabilidade à editora Universal e às suas tentativas de que o tema ascenda ao top dos mais vendidos. "Estou orgulhoso do que os Sex Pistols alcançaram, mas esta campanha questiona totalmente o que a banda representava. Fico feliz por uma nova geração poder ter o disco, mas não quero fazer parte do circo que está à volta disto", contou o ex-vocalista dos Sex Pistols, anteriormente conhecido como Johnny Rotten, à BBC News.

Noutra entrevista, ao New Musical Express (NME), feita a propósito do novo disco da sua banda atual, Public Image Ltd (PIL), o veterano do punk revelou como encara hoje a família real britânica: "Ainda não vejo uma ligação às pessoas normais. Venham dizer-nos 'olá'! À minha maneira estranha, fiz muitos apelos à família real para que nos venham cumprimentar. Intriga-me que ainda não o tenham feito...".

Mais comedido nessas observações do que nas dos tempos de "God Save the Queen", Lydon mostrou, contudo, que ainda consegue ser cáustico q.b. ao abordar a hipocrisia da Inglaterra de hoje: "Esses tipos da BBC e da ITV e de todos os outros canais são tãããoo anti-realeza. Nunca foram assim quando importava, na altura. Estão a colher os louros de algo para que nunca contribuíram. (...) E estão a fazer barulho em torno de assuntos e tópicos de que fugiam a sete pés. Por isso se tiver de apontar o dedo alguém, é a estes idiotas que estão a tentar deitá-los abaixo".

Ainda em entrevista ao NME, o vocalista comentou, com apreensão, os motins ocorridos em Londres em agosto do ano passado, que deram ao mundo algumas das imagens menos abonatórias do Reino Unido dos últimos tempos: "Fiquei muito incomodado com isso. É uma tragédia criada por um governo e uma força policial completamente indiferentes quanto ao futuro dos mais novos. Ninguém lhes oferece nada, ainda menos do que quando eu era jovem, e isso magoa-me muito. Os jovens não são cruéis por natureza, não querem sair e começar a matar. Só querem explodir e dizer 'Olá, nós existimos, este também é o nosso mundo', e não lhes são dadas oportunidades". (...) Vai levar a algo muito, muito pior. É palpável. Sente-se a tensão. Está a espera de explodir como uma bomba gigantesca. E vão culpar os miúdos das ruas, mas a culpa não é deles. Tenho uma vergonha profunda de um governo que não faz a mínima ideia do que se está a passar".

Mesmo que o cenário não seja auspicioso, o ex-elemento dos Sex Pistols não dá a batalha por perdida e, na busca de alternativas, regressa a uma das expressões-chave de "God Save the Queen", nem sempre bem interpretada: "Como tenho explicado há mais de 30 anos, 'No future' significava 'Não há futuro se não fizeres por isso'. Se simplesmente aceitares o status quo e te limitares a ir com a corrente, não terás futuro. Às vezes temos de remar contra a maré...".

@Gonçalo Sá