
Quem foi ontem ao CCB à procura de jazz teve o que merecia. Contudo, desenganem-se aqueles que pensam que Gregory Porter consegue seduzir-nos apenas neste registo. Há muitas mais cores, melodias e sensações a pulsar dentro deste cantor/compositor americano que nos visitou ontem pela primeira vez, aquecendo Lisboa com o primeiro de dois concertos que irá dar em Portugal (amanhã estará no Porto, na Casa da Música).
Gregory Porter cresceu a ouvir os discos de Nat King Cole da sua mãe e foi, efetivamente, ao ritmo do jazz que nos deu a conhecer a sua esplendorosa voz, lançando em 2010 o seu primeiro trabalho – “Water”. Mais tarde, a esta base adicionou-lhe soul, R&B e gospel, concebendo uma nova receita que resultou no seu segundo álbum – “Be Good”. E assim, nesta leveza em que se misturam sons e sabores diferentes, alternando de um estilo para o outro quase sem darmos conta, chegamos a 2013 com o seu “Liquid Spirit”.
Em busca deste ‘liquid spirit’, foram muitos os que numa noite quente de outono, a meio de mais uma semana de trabalho, encheram o auditório do CCB com o objetivo de se deliciarem com a música acolhedora deste cantor. E, de facto, não foi difícil deixar-se levar, descontrair, desconectar… Durante uma hora e meia foi fácil sorrir, bater palmas, bater o pé, estalar os dedos, sonhar.
Já ao som de “Painted On Canvas”, canção que abre o seu segundo álbum, Gregory Porter entra, na sua forma discreta de ser, em palco. O mesmo já não acontece com a sua voz, imponente, à qual é impossível mantermo-nos indiferentes, e que preenche e se expande a todos os espaços por onde passa. É cedo e, como era de esperar, temos um início suave. Ainda assim, os artistas em palco começam a colorir o que se prevê ser um concerto bonito.
Depois dos cumprimentos e da banda apresentada, é hora de agitar a casa com o tema que precisamente lhes recorda o lar – “On My Way To Harlem” – onde, segundo Porter, todos se conheceram. E aqui temos o primeiro grande solo do saxofonista, Yosuke Sato, cuja habilidade com os dedos é atordoante.
Intercalando o calmo com o agitado, Porter volta-se agora para o seu último álbum e canta-nos o primeiro tema, “No Love Dying”, para, a seguir, nos convidar a participar na próxima música com um simples gesto: "clap your hands now". É “Liquid Spirit” que invade a sala, pondo o CCB a bater palmas ao longo dos seus quatro minutos de soul e de gospel, deixando alguns, acredito, com vontade de se levantar e dançar! Mas tal não acontece e é tempo de nos aconchegarmos mais uma vez nas cadeiras, pois o cantor chama agora pela doce “Hey Laura”. Mais uma balada, o que nos indica que, muito provavelmente, voltaremos à agitação em breve. E é a estalar os dedos e com sentimento na alma que Porter faz a introdução ao próximo tema – “Work Song” –, original de Nat Adderley, inspirado nas canções entoadas pelos escravos, que nos proporcionou o momento de jazz mais clássico da noite, a que se juntou o solo de Yosuke Sato e do baterista, Emanuel Harrold. O apogeu termina em êxtase com um salto de Gregory Porter, levando o público, tímido, a manifestar-se com mais entusiasmo.
“I Fall In Love Too Easily” é perfeita para recuperarmos antes de entrarmos no groove de “Free” – um jazz com toque de funk, em que é a vez de o baixista, Aaron James, nos presentear com o seu solo. Passamos novamente para o segundo álbum, “Be Good”, e é precisamente o tema que lhe dá nome que se faz ouvir. Uma melodia bonita, que dança ao sabor do piano e na qual encontramos um saxofone mais sereno, que nos ajuda a embalar.
Estamos a chegar ao fim, mas não sem antes Porter nos cantar “Mother’s Song”, que, como o título indica, é uma homenagem à sua mãe. Antes de passar para o seu último tema, a melancolia instala-se com a canção “Water Under Bridges”, deixando apenas dois focos de luz no palco, um para Porter e outro para o seu pianista, Chip Crawford. Falta apenas uma música para fechar o espectáculo. É “1960 What?”, o seu primeiro grande single alusivo à década de 60 em Detroit (cidade apelidada de “Motor City” ou “Motor Town”, dando, assim, nome à editora Motown), que nos traz um jazz desconcertante em que os instrumentos, embora parecendo perdidos, convergem de forma perfeita ao longo da canção.
Já estamos satisfeitos e os artistas despedem-se, mas resta ainda o encore desejado. E o derradeiro final não poderia ser nada mais do que doce... “Real Good Hands” é o tema que ternamente encerra o concerto e nos conduz a casa, numa noite em que, por certo, tivemos doces sonhos.
Alinhamento:
01. Painted On Canvas
02. On My Way to Harlem
03. No Love Dying
04. Liquid Spirit
05. Hey Laura
06. Work Song
07. I Fall In Love Too Easily
08. Free
09. Be Good
10. Mother’s Song
11. Water Under Bridges
12. 1960 What?
13. Real Good Hands
Lucélia Fernandes
Groove your Soul
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