O risco e o desafio estão longe de ser estranhos a Vítor Rua, musicalmente falando. No seu currículo, o músico, produtor e compositor soma a formação dos GNR, em inícios da década de 80, e pouco depois dos Telectu, estes últimos uma das referências, dentro e fora de portas, de fusões avant-garde entre domínios do jazz ou eletrónica.
Nos últimos anos, esteve na origem da ORGanização (da qual fazem parte João Peste, Cláudia Efe ou Anabela Duarte) e do Double Bind Quartet (com Carlos Zíngaro, Luís San Payo e Vera Mantero), projetos mais ligados ao rock, ou ainda do Laço Eterno, que parte do fado (com Aldina Duarte, Carlos Zíngaro e Carlos Barreto), mantendo em paralelo colaborações regulares com os universos do cinema, teatro, dança, vídeo ou poesia.
Denominador comum? A relação com a música improvisada, praticamente indissociável do seu trabalho e elemento com particular relevância em "Heavy Mental", o seu novo disco a solo, segundo nos contou numa entrevista telefónica. O álbum parte de uma guitarra eletroacústica de dezoito cordas, desenhada pelo próprio e construída por Gil Oliveira, "que junta a guitarra de nylon de seis cordas com a guitarra de 12 cordas, tudo num só braço", explicou. "Este disco é o resultado de, no dia em que fui buscar a guitarra, chegar a casa, sentar-me, ligar o gravador, afinar a guitarra, por os auscultadores e começar a tocar. Foi o primeiro contato real com a guitarra, uma improvisação em tempo real que resultou num disco".
Gravarrápido para editar sem pressas
A improvisação e consequente gravação decorreram em 1999, mas a edição, através da Orfeu, sóse concretizouno final do ano passado. Esse hiato, que se explica, em parte, pelas muitas colaborações que o músico tem mantido, não só não o preocupa como está longe de ser caso único: "Este disco faz parte de uma trilogia de discos de guitarra solo que tenho e que finalmente estão a ser editados. Inicialmente fazia parte de uma caixa de 50 CDs que vai sair este ano com trabalhos originais meus desde 1991 até 2011. Para este ano, tenho também previsto sair um outro solo e esse é de 1991. E foi a mesma história: fui ao Porto buscar uma guitarra nova e gravei logo".
Tal como esse sucessor (que, na verdade, foi gravado antes), "Heavy Mental" tem outras particularidades além da forma como foi criado. "É um trabalho totalmente fora daquilo que habitualmente desenvolvo com os Telectu - por ser melodioso, harmonioso e com um tema que vai variando ao longo de 30 e tal minutos. E precisamente por ter os Telectu, muitas coisas que fazia a solo iam ficando de parte, até porque eram intemporais - não me preocupava muito se saíam na altura ou dez anos depois", recordou.
Afórmula do improviso
Embora tenham demorado a chegar ao público, os temas de "Heavy Mental" não vão ficar circunscritos ao registo gravado. Mas os moldes em que o disco surgiu levam a que a sua transição para os palcos obrigue a um exercício atípico. "É um trabalho de pesquisa quase arqueológica porque, como não havia nada escrito - a escrita desta composição é o registo áudio da gravação, porque foi uma improvisação em tempo real -, o que fiz foi ouvir o disco muitas vezes, tomar notas de certas partes e padrões repetitivos, de certas partes que são de realçar, e depois repetir, ensaiar, tocar em casa várias vezes até perceber por que caminhos pode ir a improvisação", assinala. O resultado desta experiência já passou pela LX Factory ou pelo Lounge, em Lisboa, e a 29 de fevereiro chega à FNAC do Chiado, a partir das 18h30 - muito provavelmente, diferente q.b. da forma como foi apresentado nas primeiras vezes.
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