É oficial: os Hercules and Love Affair não foram apenas uma moda sazonal de 2008, ano em que editaram o seu primeiro disco homónimo e, como poucos, alcançaram logo um estatuto de referência dentro da música de dança.
O novíssimo álbum, "Blue Songs", já tinha revelado que o projecto de Andy Butler aceitava outros temperos além da receita disco sound (devidamente retrabalhada) do registo de estreia. E a noite de ontem, no Lux, permitiu - e de que maneira! - tirar as dúvidas: mais do que nos álbuns, ao vivo o grupo condensa, com uma eficácia e energia invejáveis, alguma da melhor electrónica (recente ou nem por isso) para as pistas.

Numa sala esgotada, o quinteto doseou de forma inteligente temas dos dois álbuns, entre outros, deixando de lado - e ainda bem - as canções mais calmas de "Blue Songs". Afinal, numa discoteca o propósito era sobretudo fazer dançar, objectivo conseguido logo no arranque e mantido até ao final, sempre com uma fluidez assinalável e quase sem pausas entre os temas.

A única paragem (além do intervalo para o encore) deu-se quando, depois de uma apoteótica "Painted Eyes", Andy Butler (equipado com chapéu de marinheiro e cigarro) apresentou a banda.
Shaun Wright, a única voz masculina, e Kim Ann Foxman, a única vocalista que se mantém desde a formação anterior do grupo, foram contemplados com elogios do mentor do projecto e outros tantos aplausos dos espectadores.
Ainda assim, quem mais se destacou foi a venezuelana Aerea Negrot, que se dirigiu ao público em português e cuja mão partida (e engessada) não a impediu de ser menos do que frenética. "A lésbica mais fixe, com um bonito vestido" - palavras de Butler - destilou simpatia e impôs respeito com umas cordas vocais devastadoras, que tanto lembraram os malabarismos de um Edson Cordeiro, em "Falling", deixando o público a cantar "I am free!", como encarnaram Grace Jones em "Answers Come in Dreams".

Mas não só. "Uma Casa Portuguesa", de Amália Rodrigues, foi cantada num breve (e delirante) momento no final de "My House", o novo - e muito bem acolhido - single do grupo. Esta espontaneidade e sentido de humor, também presentes no concerto dos Hercules and Love Affair no Alive!08, contribuem para que as actuações da banda suplantem facilmente muitas outras de música de dança, por vezes demasiado frias e mecânicas.
Claro que também ajudou que na base de uma atmosfera calorosa estivessem Andy Butler e Mark Pistel, "os geeks de serviço", de acordo com o primeiro. Ao fundo do palco, entre laptops e restante maquinaria, dispararam não só disco e house - que dominam, respectivamente, o primeiro e segundo álbum -mas também estilhaços funk e electro, compondo um alinhamento mais expansivo onde nem faltou um episódio de intensidade raver - a Luxque o público respondeu, como sempre, com entrega e histeria.

"Step Up" ou a pujante "Visitor", trunfos fortes de "Blue Songs", não foram utilizados em vão e ajudaram a reforçar o ambiente hedonista mantido durante pouco mais de uma hora - o tempo certo para uma actuação destes contornos. Curiosamente, aquele que seria outro trunfo óbvio (talvez o maior) ficou entre os momentos fracos (ou os menos estonteantes) da noite. O single "Blind", originalmente cantado por Antony Hegarty (dos Antony & The Johnsons), foi servido numa versão apenas funcional, sem o brilho que se ouve em disco - diferença que, de qualquer forma, não tornou o tema menos celebrado.
Para as despedidas, já no encore, a banda guardou outro single do primeiro álbum, "You Belong". "Vamos voltar mas por agora é isto", confidenciou Aerea Negrot. E o público, como bom anfitrião que se preze, não quis contradizê-la, deixando as portas abertas para mais visitas a esta ou outra casa portuguesa.

@Gonçalo Sá

Videoclip de "My House":

Videoclip de "You Belong":

Videoclip de "Blind":