Poucos serão aqueles que nunca ouviram falar no mais que famoso e super polémico Dr. House, cuja série que protagoniza, homónima, toma conta diariamente dos televisores portugueses, e não só. Mas quem se dirigiu ao Coliseu dos Recreios, na passada terça-feira, com a esperança de ter um contacto mais direto com o mais popular e sarcástico médico da televisão, ficou, com certeza, desiludido. Numa noite que dedicou por completo à música, Hugh Laurie evitou as referências à sua carreira atrás das câmaras – nem a bengala levou!! –, assumiu a sua origem britânica, deixando para trás o sotaque americano que apresenta em “House”, e mostrou que, em cima do palco, consegue ser igualmente competente – e irresistível.

Poucos minutos passavam das 21h00 quando, acompanhado pelos seis elementos da Copper Bottom Band, entrou no palco com um simpático e bem-disposto "Boa noite!". Desde logo deixou bem clara a sua estratégia performativa para o serão: conquistar o público através de boa música e de bom humor. E cumpriu. Vinte minutos após o começo do concerto, já tinha a audiência a cantar consigo Let The Good Times Roll, que lhe valeu sinceros elogios, não só relativos à sua afinação, mas também à sua resposta fervorosa – “a melhor que já tivemos!". "E não, não digo isto a todos os sítios onde vou", esclareceu os mais céticos.

Ao longo do espetáculo, tudo surgiu perfeitamente contrabalançado, com o cantor a saber equilibrar as diversas respostas que os diferentes momentos pediam e a fazer questão de introduzir todas as músicas, que não fugiram aos ritmos tão característicos do jazz e do blues, tão longínquos na barra do tempo. "São todas canções velhas", avisou, enquanto continuava, feliz, a viagem entre os anos 20 e os anos 60.

Com um sentido de humor refinadíssimo, não lhe passaram despercebidos os vários comentários do público ao longo do concerto, aos quais tentou responder, sempre com palavras bem-humoradas. Já a nível musical, companheirismo é, definitivamente, a sua palavra de ordem. Todos os temas, especialmente dotados de uma grande carga instrumental, foram tocados em perfeita harmonia com a banda que, em momento algum, foi abafada pela voz sexy de Laurie, que não se cansou de elogiá-la ao longo de duas horas de concerto. De facto, a Copper Bottom Band proporcionou momentos de pura excelência, quer em grupo, quer em dueto ou trio com o cantor (como aconteceu em Winin' Boy Blues, que contou apenas com voz, guitarra - a sua e a do guitarrista - e violoncelo).

E ainda houve tempo para confissões, com Hugh Laurie a contar que, na primeira vez que se reuniu com a banda, lhes serviu whisky, de forma a que estes não notassem a sua falta de experiência musical. Afinal de contas, ele era um ator, não um cantor. Assim, como homenagem aos seis fantásticos músicos que o ajudaram a tornar-se, também, cantor, fez questão de servir, entre músicas, um pequeno copo de whisky a cada um dos "companheiros".

Porque representar, cantar e fazer umas investidas na comédia não são trunfos suficientes no currículo de um artista completo, Hugh Laurie ainda revelou aos portugueses os seus dotes de dançarino, interpretando cada canção como se fosse um pedacinho de si. Arrancou grandes respostas do público com versões de You Don't Know My Mind, Battle of Jerico e Unchain My Heart, mas foi ao fazer-se acompanhar por pouco mais do que o piano (o que foi raro ao longo da noite, dado o grande contributo da banda) e ao interpretar Let Them Talk, música que deu nome ao álbum em apresentação, que gerou um dos momentos (se não o momento) mais reveladores a nível vocal e, provavelmente, o mais bonito da noite. "Porque se amamos, amamos". True story.

Duas horas mais tarde, depois de ter tocado a única música que, em criança, a professora de piano não o deixava tocar (Swanee River) e Tipitina, que confessa ouvir desde sempre, mas não saber, ainda, sobre o que é, Hugh Laurie retirou-se definitivamente do palco, acenando repetidamente ao público, eufórico, que se deslocou ao Coliseu dos Recreios. Deixou para trás uma noite em que provou que o seu talento ultrapassa, a 200 à hora, no mínimo, a fronteira da representação, com um público rendido, do primeiro ao último minuto, a atestar que a música vem, de facto, da alma e desperta o melhor que há em nós.

Inês Fonseca