
A Museus e Monumentos de Portugal (MMP) confirmou o arquivamento do processo de classificação da obra do músico José Afonso, por caducidade, através de um anúncio publicado hoje em Diário da República.
Em janeiro, em respostas à Lusa, fonte oficial da MMP já tinha dado conta deste desfecho, ressalvando que para novo esforço de classificação teria de ser criado um novo procedimento fundamentado.
Num anúncio publicado hoje em Diário da República e datado de 30 de junho, assinado pelo presidente da MMP, Alexandre Pais, pode ler-se que “com fundamento em parecer da Secção dos Museus, da Conservação e Restauro e do Património Cultural Móvel, de 5 de maio de 2025, é intenção da MMP fazer o arquivamento por caducidade da obra fonográfica de José Afonso”.
Os interessados têm agora 30 dias para se pronunciarem.
No final de janeiro deste ano, a MMP revelou que o processo de classificação da obra fonográfica de José Afonso caducou em setembro de 2021, um ano depois de aberto, porque a então Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) não prorrogou o prazo.
O procedimento de classificação aberto em 2020 contou com apoio técnico do Arquivo Nacional do Som, liderado pelo antropólogo Pedro Félix, que, em declarações à Lusa no começo deste ano, explicou que "foram desenvolvidos todos os esforços, até mais esforços do que aqueles que seriam necessários", para conseguir terminar o processo.
"Levámos até às últimas possibilidades do ponto de vista técnico. As tentativas foram muitas e havia informação que era necessário recolher e não foi possível", disse.
O anúncio de abertura do processo de classificação, assinado pelo então subdiretor-geral da DGPC, João Carlos Santos, foi publicado em Diário da República a 02 de setembro de 2020, abrangendo 30 fonogramas da autoria de José Afonso, 18 cópias digitais de ‘masters’ de produção, cassetes gravadas pelo autor e gravações de entrevistas ao músico.
Trata-se de material “cuja proteção e valorização representam valor cultural de significado para a nação”, lia-se no anúncio, sendo que o objetivo seria classificar, pela primeira vez, uma obra fonográfica como um “conjunto de bens móveis de interesse nacional”.
Em abril de 2021, a Associação José Afonso pedia ao Ministério da Cultura "prioridade à conclusão" do processo, num momento em que a família de José Afonso anunciava a reedição de 11 álbuns do músico, lançados originalmente entre 1968 e 1981 e que estavam indisponíveis no mercado há vários anos.
Mais de um ano depois da abertura do processo, em novembro de 2021, num novo ponto de situação pedido pela Lusa, a Associação José Afonso afirmava que não tinha havido “nenhum passo em frente” no Ministério da Cultura sobre a classificação.
Nesse mesmo mês, a DGPC dizia à Lusa que “o trabalho de verificação das 'masters' e cópias autênticas” da obra fonográfica já tinha sido concluído e que incluiu contacto com os "diferentes proprietários identificados" e "visitas técnicas de verificação dos bens a classificar".
Em dezembro de 2023, em resposta a um novo pedido da Lusa de atualização sobre o processo, a DGPC explicava que “não se coloca a caducidade do processo pois não foi denunciada a mora” ou atraso.
A direção-geral rejeitava também qualquer ideia de impasse no processo de classificação, justificando que se trata “de um processo particularmente complexo, na medida em que envolve vários detentores, o que acarreta a necessidade de mais tempo para a conclusão do mesmo”.
No entanto, admitiu que a rapidez do processo estava comprometida pela “não concordância dos diferentes proprietários” das obras fonográficas, o que impossibilitava a peritagem dos bens.
No final de 2023, por decisão governativa de reestruturação do Património Cultural, a DGPC foi extinta, tendo dado lugar a duas entidades: o instituto público Património Cultural e a empresa pública Museus e Monumentos de Portugal, para a qual transitou, em 2024, o dossier do processo de classificação da obra fonográfica de José Afonso.
Feita a avaliação do processo, a MMP decidiu-se pela caducidade do mesmo.
O antropólogo Pedro Félix, que lidera a comissão instaladora do Arquivo Nacional do Som, é da opinião que a não classificação "não invalida a qualidade e o mérito da obra que é ou não classificada. O que acresce, e é esse objetivo das classificações, é dar uma outra camada de proteção a um determinado bem".
Para o antropólogo, houve "um certo esvaziamento da premência do processo", porque atualmente é possível comprar os discos do José Afonso, entretanto reeditados.
A decisão de se classificar a obra de José Afonso (1929-1987) surgiu depois de, em 2019, o parlamento ter aprovado um projeto de resolução do PCP, que recomendava ao Governo a classificação como de interesse nacional, com vista à sua reedição e divulgação.
Também a Associação José Afonso tinha reunido mais de 11 mil assinaturas numa petição pública que apelava à mesma decisão.
A família de José Afonso, detentora dos direitos da obra musical, também tinha manifestado o apoio à classificação da obra e recordava que estava a "colaborar diretamente com o Ministério da Cultura, desde 2018", para que se desenvolvesse o processo.
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