![José Cid no Coliseu dos Recreios: Não há vez como a primeira](/assets/img/blank.png)
No passado mês de abril, José Cid, impulsionado pelo burburinho que se criou em torno da interpretação ao vivo de "10000 Anos..." (houve, inclusive, quem chegasse a criar uma página de Facebook com o intuito de angariar "likes" para esta causa), levou o aclamado álbum para o palco da Aula Magna, em Lisboa, no dia 11, e, no dia seguinte, para a Alfândega do Porto. O sucesso foi tamanho - há vídeos no Youtube que mostram o público da Aula Magna, de pé e em uníssono, a cantar e a aplaudir - que o artista foi motivado a levar o espetáculo, dia 1de agosto, até ao ressuscitado festival Vilar de Mouros, em Caminha.
Quando se pensava que tal celebração tinha chegado ao fim e que as atuações de José Cid iriam prosseguir dentro dos contornos habituais, eis que o músico presenteia o público lisboeta com mais um especial "10000 Anos...", desta vez no Coliseu dos Recreios. Estará a ideia a ser demasiado explorada, levando a que se perca o factor exclusivo que, durante tantos anos, transformou o álbum num objeto de culto? Veremos.
À chegada ao local do concerto, o cenário não podia ser mais desolador: plateia principal por preencher, bem como as bancadas, e camarotes quase ao abandono. Ainda assim, com tanto espaço livre, a imprensa acabou por ser atirada para uma lateral do espaço com visibilidade reduzida sobre o palco (parece que houve uma projeção vídeo a acompanhar o concerto, mas pouco ou nada conseguimos ver e testemunhar). Levanta-se aqui uma questão pertinente: para fazer um trabalho em condições, não terá o jornalista que estar numa posição que o beneficie?
Sensivelmente à hora marcada, José Cid entra em palco, acompanhado pela sua banda, a mesma que marcou presença no concerto da Aula Magna que o Palco Principal teve oportunidade de assistir. O alinhamento começa da mesma forma, com "Vida (Sons do Quotidiano)" a dar o arranque, seguido de "Onde, Quando, Como, Porquê - Cantamos Pessoas Vivas" e de três canções de "Vozes do Além", álbum que o artista se prepara para lançar em 2015 (a mistura entre passado, presente e futuro leva Cid a enganar-se e a anunciar a edição do álbum para 1975, despoletando algumas gargalhadas na plateia). Até aqui, nada de novo.
Pouco depois, para satisfação geral, José Cid dá início à viagem através de "10000 Anos...", ao som de "O Último Dia Na Terra", ainda sem Ramon Galarza, Zé Nabo e Mike Sergeant, os convidados especiais da noite, em palco. A chegada a "Mellotron, o Planeta Fantástico" faz-se sem qualquer percalço. Francisco Martins, nas guitarras, vai aproveitando os solos para mostrar as suas qualidades musicais; Augusto Vintém, no piano eléctrico, vai acompanhando Cid e Gonçalo Tavares (o homem escolhido para as melodias de mellotron) nas teclas, enquanto baixo e bateria vão garantindo, de forma exímia, a marcação rítmica.
Todo o português devia ouvir, pelo menos uma vez na vida, o álbum "10000 Anos...". É uma obra díspar na nossa cronologia musical, sem igual, um verdadeiro motivo de orgulho. Tanto o conceito como a história são dignos de destaque, e, não vamos mentir, esta coisa toda da autodestruição da humanidade e do repovoamento do planeta Terra dá que pensar, ainda que já se tenham esgotado mais de três décadas da data em que foi editado. As texturas do álbum - localizadas algures entre "Pawn Hearts", dos Van der Graaf Generator, e a "A Trick of the Tail", dos Genesis - proporcionam-nos autênticas viagens através do espaço e tempo, pautadas por excelentes apontamentos musicais. Em suma: uma verdadeira obra-de-arte.
À medida que o concerto vai decorrendo, o público vai aplaudindo o desempenho do coletivo e acompanhando as letras das músicas. Chega, finalmente, o momento mais aguardado da noite. Antes de se atirar ao tema "10000 Anos Depois Entre Vénus e Marte", José Cid chama os convidados especiais ao palco. Ramon Galarza senta-se na bateria, Mike Sergeant assume a guitarra, e Zé Nabo o baixo. A canção não começa da melhor forma, com algumas falhas no tempo, mas, com a sabedoria e a experiência que se pede a músicos deste calibre, a coisa resolve-se. À imagem daquilo que aconteceu na Aula Magna, explicado no segundo parágrafo deste texto, o Coliseu dos Recreios acompanha, em uníssono, o refrão da música, com José Cid, de telemóvel na mão, a filmar a plateia. Contudo, desta vez, a espontaneidade não é a mesma, a energia no canto do público tão pouco, e a reação do artista, que na aula Magna foi apanhado completamente de surpresa, também não. Para bem da verdade, falta alguma naturalidade ao momento. Falta aquela reação simbiótica, própria de quem está a experienciar algo pela primeira vez, ciente que tal poderá não voltar a acontecer, o que, estabelecendo um paralelismo com o álbum editado em 78, dá um tom de exclusividade ao acontecimento. Não há vez como a primeira, disso não há dúvida.
Texto: Manuel Rodrigues
Fotografia: João Lambelho
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