Respeitada e admirada pelo público, conta que tem uma vida muito activa, privilegiando sempre, contudo, aquilo que faz de melhor: a música.

Mais do que uma artista, Maria João é um ser humano com sonhos e determinação - atributos que fazem toda a diferença nos tempos que correm.

O Palco Principal falou com a artista numa conversa aberta sobre o seu trabalho e a sua vida.

Palco Principal - Qual a origem do título do seu mais recente disco de originais, “Amoras e Framboesas”?

Maria João - Dei este título ao álbum, uma vez que sou muito gulosa e por achar que esta música e este disco são uma grande gulodice, muito fáceis de ouvir.Achei que ficava bem juntar uma coisa à outra. Também chamei "Chocolate" ao outro disco porque achei que era uma coisa boa, feliz.

PP -Contrariando atendência habitual, primeiro apresentou o disco [na Casa da Música, no Porto]e só depois o gravou. Porquê?

MJ - Inicialmente, não pensava em fazer um disco, apenas um concerto. Convidaram-me, eu disse logo que sim, e correu tão bem que decidi continuar a fazer aquela música, estendê-la e ver para onde ela caminhava. Surgiu, então, o disco, com a parceria da Universal, que é sempre óptima e amiga nisto. Contudo, o repertório que apresentámos em concerto não é exactamente igual ao alinhamento do disco: há temas que só foram escolhidos posteriormente, há músicas re-arranjadas.

PP –Como reagiu opúblico presente na Casa da Música às novas músicas?

MJ – Reagiu optimamente! O espectáculo estava esgotado e as pessoas adoraram. Foi uma espécie de concerto de Natal. Correu mesmo muito bem - tão bem que continuámos com o projecto.

PP – Em que território se sente mais confortável: na interpretação em inglês ou português?

MJ – Em ambos. Quando não existe uma letra, eu invento, sinto-me à vontade quando nada existe e eu imagino. Gosto muito da música em todas as suas formas, o facto dela ter todas essas possibilidades éo que torna tudo muito estimulante, muito rico.

PP – Actualmente, qual éo panorama da música Jazz em Portugal?

MJ – Eu penso que nós, em Portugal, temos uma cena Jazz muito boa, com músicos muito bons. Há um grupo de músicos que tem um ADN muito bom, já muito assente e assumido, uma personalidade musical muito forte. Há concertos, existem festivais, existe muito interesse das pessoas, mas, claramente, é uma área que não se compara ao Pop, que é mais fácil, que tem refrão, que tem mais visibilidade. Ainda assim, acho que o Jazz está bem instalado aqui em Portugal. Cá, este tipo de música é muito bem servida.

PP – Temos assistido, nos últimos tempos, ao crescimento do número de artistas Jazz em Portugal. Tem uma explicação óbvia este fenómeno?

MJ – Na minha opinião, é uma questão de gosto. As pessoas ouvem este tipo de música (que, agora, tem mais visibilidade do que nunca),gostam, e decidem fazê-la, experimentá-la. Mas, seja qual for a explicação, o importante é que, efectivamente, a experimentem. Isso sim, é o importante.

PP – Como surgiu a parceria com a Orquestra Jazz de Matosinhos (OJM)?

MJ – A Orquestra Jazz de Matosinhos convidou-me para um concerto e foi assim que tudo começou. Na altura, não nos conhecíamos, apenas conhecia alguns músicos. No entanto, com o tempo, acabaríamos por nos conhecer quase todos. Esta nossa cena é muito pequena.

PP – Depois de ter colaborado, ao longo da sua carreira, com tantos artistas, em que patamar coloca a OJM?

MJ – Absolutamente no topo. São músicos de muito talento, a orquestra é óptima, muito boa gente mesmo e muito dedicada ao que faz, aos seus projectos. São todos músicos de topo.

PP – Os seus temas contam, por norma, com a composição de Mário Laginha. Baseia as letras dos mesmos nas suas composições ou prefere inverter o processo?

MJ – Sim, normalmente o Mário faz a música e eu faço as letras. Por vezes, fazemos uma espécie de corrida, para ver quem entrega o material primeiro. É mais fácil ser o primeiro a entregar! Mas claro que eu opino sempre com o Mário e ele comigo. É uma parceria que funciona muito bem.

PP – É uma pessoa exigentecom oseu trabalho?

MJ – Sim, acho que sou bastante exigente.

PP – Como definiria o Jazz em poucas palavras?

MJ – O Jazz é um género mestiço, que permite todas as misturas. É uma linguagem misturada, que me permite, com ela, fazer uma festa. É muito necessário, para mim, ter a aventura e o espaço para imaginar e criar coisas novas dentro da música. Ó Jazz é uma aventura, é uma música aventureira e libertadora.

PP – Numa altura difícil como esta que atravessamos, a música da Maria João pode ser acolhida como um refúgio?

MJ –Toda amúsica é um cantinho, uma espécie de refúgio no qual as pessoas respiram fundo. Ver um concerto ou qualquer outra forma de arte é um recanto de prazer, de felicidade, de bem-estar. Claro que encontramo-nos perante uma situação medonha, mas espero que, mesmo assim, as pessoas tenham consciência que têm que salvar o seu ânimo e esperança, e procurar estes refúgios que estão na arte. Espero também que tenham alguns euros para o fazer.

PP –Na opinião da Maria João, amúsica em Portugal atravessa um bom momento?

MJ – É uma área que funciona bem. Como já disse, temos músicos bastante bons e, claro, músicos bastante maus também. Mas a democracia musical acaba por ser isso mesmo: os músicos exitirem, fazerem a música que querem e as pessoas fazerem a sua selecção naturalmente. Um músico, para sobreviver, tem que ser muito determinado, muito ambicioso, ter iniciativa e querer trabalhar, claro.

PP – Costuma manter ocontacto com os fãs?

MJ – Costumo, mas não através das redes sociais. Tenho Facebook e MySpace mas, normalmente, é o meu filho que vai lá. Ele está sempre em cima do acontecimento. Vem ter comigo e diz-me: "Mãe, tens que ir ver...". Mas eu não tenho mesmo tempo, tenho uma vida muito agitada. Dou aulas três dias por semana, tenho os concertos e também as minhas coisas. No meio de tudo isto, tenho manter-me saudável, gosto de desporto, é algo essencial para mim. A coisa pior que me podem fazer é obrigar-me a estar num café sentada muito tempo. Mesmo quando estou a falar, estou a andar ou a fazer qualquer coisa.

PP – O que podemos esperar da Maria João num futuro próximo?

MJ – Muita música! Já tenho coisas feitas, tenho este disco, que saíu agora, e vou gravar em Junho o Ogre, que é um projecto de música electrónica pelo qual tenho muito gosto. No fundo, acho que o que as pessoas podem esperar de mim é que vou fazer música até morrer.

PP – E a nível de espectáculos?

MJ – Continuo a rodar com todos os meus projectos. Já fui a vários países este ano e estou, sobretudo, a fazer o mercado internacional. Com o "Amoras e Framboesas" vou ter agora um concerto no Festival de Jazz de Matosinhos. Depois tenho o Festival de Jazz de Loulé e ainda o Festival de Jazz de Marselha e o Funchal Jazz. Tenho grande fé que vão todos funcionar muito bem - há muito interesse por parte do público.

José Aguiar