À semelhança do primeiro dia de Super Bock Super Rock, o palco principal abriu em bom português. Desta vez, a missão de dar as boas vindas aos primeiros festivaleiros chegados à Herdade do Cabeço da Flauta coube aos portuenses Supernada.

Do Porto, trouxeram um rock alucinatório, de cordas distorcidas e psicadelismo q.b., à boleia do embargo arranhado da voz alterada pelo megafone. Uma dureza complementada pela verdade nas palavras, certeiras na crítica que fazem, oscilando com divagações por estados de alma mais enegrecidos.

Anedota, do baú dos temas mais antigos, sobrevivente às novidades integradas em “Nada É Possível”, lançado este ano, sabe sempre bem na lembrança daqueles que acompanham a banda desde os primórdios e correspondeu, ontem, a um dos momentos mais altos da atuação dos Supernada. O público, por volta do fim de tarde solarengo, apesar de em maior quantidade do que no dia anterior pela mesma hora, ainda era pouco mas, mesmo assim, soube mostrar-se à altura da banda de Manuel Cruz.

Cruzaram o oceano para estar no Super Bock Super Rock 2012 – eles próprios o garantem, acabados de pisar o palco – mas o público desta 18ª edição do festival não se deu, sequer, ao trabalho de atravessar o recinto para os ver.

É raro o português que não tem um fraquinho pela música do Brasil, mas a que é praticada pelos Tono parece não convencer os festivaleiros no recinto, que vão chegando a conta-gotas, para minutos depois tomarem o caminho de regresso. As muito poucas dezenas de pessoas que foram ficando – nunca mais de 50, simultaneamente, e a grande maioria sentada na pseudo relva circundante, ainda em recuperação da noitada anterior – não mostraram muito mais entusiasmo pela banda que, ao segundo tema, ainda tentou o trunfo: “Esta música foi feita com um amigo de Lisboa, o Zé Castro”. Quem?!

Por entre canções, ora frescas, ora dengosas, roubadas em grande parte ao segundo disco do coletivo, que, por sinal, “está à venda lá no lugar onde os discos estão à venda” – caso alguém tenha ficado impressionado com os dotes do quinteto -, e com o sol a dar, ainda, o ar da sua graça atrás do palco e a dificultar a vista plena do grupo, a debandada acabou por ser geral quando os primeiros acordes de In the Grace of your love, dos The Rapture, foram trilhados lá ao longe, no palco principal.

No Porto fecharam o primeiro dia do Optimus Primavera Sound. Em Lisboa tocam ainda de dia, para um público desperto, mas morno, ainda de pés e mãos bem agarrados ao chão e aos bolsos (vá, e às primeiras cervejas do dia, também), respetivamente. À frente do palco, alguns entusiastas arriscam uns passos de dança semi-convictos, mas a festa rija só acontece em How Deep Is Your Love, música que esteve em alta rotação nas televisões portuguesas nos últimos meses, suporte sonoro do anúncio que publicitava um festival da concorrência, facilmente reconhecida por todos, que desatam a celebrar a força do single de avanço do segundo disco dos The Rapture. Eles bem tinham, segundos antes, perguntado se estávamos a postos: “Estão prontos? Obrigada por estarem prontos. Agora, nós também estamos prontos!”. Sintonia, que bom.

Numa atuação também marcada por alguns problemas técnicos – “Se conseguirmos resolver o problema da bateria, vai ser um espetáculo do caraças”. “Bem, se não conseguirmos, também”, debatiam os vocalistas no início do concerto – também se ouviram Echoes, Get Myself into It, Killing e um já antigo, mas nem por isso antiquado, House of Jealous Lovers, recebido em apoteose pelos que dele se lembravam.

Com exceção de dois ou três comentários jocosos – quase todos relacionados com os problemas de ordem técnica que tentaram, música após música, assombrar a atuação dos The Rapture -, Luke Jenner não se deu a grandes interações, mantendo-se ao longo da performance, entre agudos e riffs rasgados, discreto, algo tépido, pouco esforçado. Finais de tarde não condizem, definitivamente, com o grupo.

Na primeira vinda de Hanni El Khatib a Portugal contaram-se mais curiosos que conhecedores, num espaço sobrelotado, graças ao burburinho com justa causa, gerado em torno do músico de L.A.Volvidos uns quantos meses, o caso mudou de figura, já com um número considerável de fãs de letras na ponta da língua, frente ao Palco EDP.

Desta vez, Khatib, para além do baterista, trouxe mais um amigo - mais uma guitarra a atestar em fúria o punk blues made in Califórnia, detalhado e sofisticado nos pormenores, quebras e jogos de silêncio. Come Alive, a abrir, pautou logo o registo do concerto, com os presentes a não desperdiçarem a oportunidade em libertarem os corpos perante tamanhas descargas de energia.

Lana del Rey estreou-se em Portugal e no palco Super Bock com Blue Jeans. A voz, de início um pouco mais insegura, foi ganhando confiança, à medida que foi sendo abafada pelo coro imenso de fãs, que se fez soar, em força e volume, desde o primeiro verso.

Ao longe, puderam ver-se os sprints apressados de quem se distraiu com as horas. A julgar pela enchente, quem rumou ontem ao Meco fê-lo na certeza de que, como se veio a verificar, esta seria uma atuação imperdível. De facto, todas as dúvidas face ao desempenho da cantora foram dissipadas quase no primeiro instante: Lana soube aguentar-se, muito distante da boneca desprovida de intensidade, vocalmente frágil, cujos vídeos das atuações falhadas percorreram o mundo; soube manter a garra, por entre os jogos sedutores de menina bonita, não se deixando atrapalhar nem pelas caminhadas voluptuosa, nem pelo sucedâneo de poses provocantes, de uma lascívia coquete, sem roçar ao gratuito.

Com o público a seus pés, ressalvado pelo padrão de olhos lacrimejantes multiplicado nas primeiras filas, a rainha de Coney Island, que deixou de parte os temas mais dançáveis do disco, assumiu-se como diva crooner, num desfile de lânguidas canções, geniais na simbiose entre imaginários datados e apontamentos contemporâneos, com pitadas, aqui e acoli, de sonho e pesadelo americano.

O jogo de amor entre Lana e audiência foi acontecendo numa reciprocidade justa, com a cantora genuinamente embevecida com tanta devoção, como foram demonstrando as risadinhas mal contidas, e as demoradas descidas até ao público, que fez questão de cumprimentar, por entre beijinhos e autógrafos.

“Este é o sítio para estar quando estiver com Summertime Sadness”, comentou a cantora que disse que normalmente não falava tanto em concertos, fazendo com que todos se tivessem sentido mais especiais.

Born to Die, de cigarro na mão, Video Games, tema que se tornou viral quando tão pouco havia ainda a saber sobre esta rapariga, e National Anthem, na despedida, vieram a confirmar-se as canções mais fortes de uma performance grandiosa cujo único pecado foi ter durado tão pouco.

Uma Lana Del Rey assanhada seduzia tudo e todos no palco principal do Super Bock Super Rock quando a dinamarquesa Oh Land subiu, imponente, ao palco secundário do evento. Na custosa travessia entre palcos, perguntámo-nos quem ganharia o duelo de divas, no que à afluência diz respeito, quase certos que Lana sagrar-se-ia uma óbvia vencedora. Afinal, pertence à realeza. Foi, portanto, com algum espanto que nos deparámos com um palco EDP à pinha, b-a-b-a-d-o com a performance da escandinava Nanna Oland Frabricius, que em palco justifica toda a adoração que tem recebido da crítica.

O terceiro tema, o adorável Sun of a Gun, é já interpretado sem o excêntrico casacão dourado com que se apresentou em palco, revelador, quando arrancado, de uma silhueta esguia, camuflada com pedaços esvoaçantes de lycra colorida, aliados de Oh Land nas danças exóticas e insinuantes com que brinda o público. De quando em vez, passa pela bateria, a quem dedica, invariavelmente, alguns minutos da sua atuação, para agrado do baterista, que parece apreciar a dedicação da beldade ao instrumento, que toca obstinadamente.

Antes de dar início aos temas, explica-nos, enquanto roda sobre si mesma, divertida, o efeito com eles pretendido. “Este vai por-vos a mexer”; “Durante este, deverão dar as mãos e gozar um momento carinhoso”; “Este vai manter-vos acordados durante noite em dia”. Ocasionalmente, pede-nos para traduzirmos para português palavras que escolhe, criteriosamente. Tenta, em vão, repeti-las. Irónica, revela, orgulhosa: “I’m a natural in portuguese”. Também não poupa nos elogios. “Ficam bonitos com a lua atrás de vocês”, atira, a dada altura, com uma doçura inocente.

A performance musical, essa, fez-se de canções pop bem-dispostas e espirituosas, entre as quais Wolf & I, interpretada ao piano, num dos momentos mais mágicos do festival até ao momento; Speak Out Now, música nova com laivos disco, debitada em modo teste – “I hope you like it”; Rainbow, em ritmo delirante; e, claro, White Nights, cantada em uníssono pelo público que, com o final do concerto de Lana del Rey, atingiu a concentração máxima na ala secundária do festival.

Se houvesse um prémio que distinguisse os mais suados do festival, Ed Macfarlane, vocalista dos Friendly Fire, entrava na corrida, por certo, lado a lado com o muito agitado teclista dos Battles. Presença no palco secundário do Optimus Alive’11, Macfarlane mostrou-se merecedor da promoção que lhe saiu na rifa e deu tudo por tudo num concerto que se concentrou no segundo disco do grupo, editado há um ano, ao qual foram buscar Hawaiian Air, Live Those Days Tonight, Pull Me Back to Earth, Hurting, Pala e Blue Cassette.

Skeleton Boy, um dos melhores momentos do disco de estreia homónimo, também não faltou ao regresso da banda à Herdade do Cabeço da Flauta, para gáudio de todos os que, às primeiras insinuações do tema, se lançaram numa dança furiosa, bem ao estilo de Macfarlane, por esta altura ensopadérrimo.

Enquanto Ed Macfarlane, vocalista dos Friendly Fires, se bamboleava energicamente no palco principal, foi a vez dos Wraygunn subirem ao secundário para mais uma performance irreprimível.

Tales of Love, do mais recente “L'Art Brut” abriu caminho para as outras narrativas do cancioneiro da banda, onde o rock 'n roll é rei e senhor. Complementos rítmicos de diferentes quadrantes, a orientarem as movimentações libidinosas de Raquel Ralha e Selma Uamusse, asseguram-nos a identidade mesclada da banda liderada por Paulo Furtado.

Com Drunk or Stoned, para o final, os Wraygunn despediram-se do público, numa explosão em palco a que já estamos habituados e que folgamos saber que mantém.

Os primeiros 20 minutos do reinado M.I.A no SBSR podiam muito bem servir de episódio piloto a uma hipotética série chamada “Querido, mudei o palco”. Não satisfeita com o cenário montado no palco principal do certame, onde sobressaíam umas bandeirolas coloridas, que atravessam o palco de cima baixo, a fazerem lembrar os festejos de São João na cidade invicta, a artistas britânica decidiu juntar-lhes os fardos de palha que enfeitavam e dividiam o backstage, pacientemente transportados pelo staff, apanhado de surpresa pelos inesperados devaneios decorativos da autora de Paper Planes. “Nós não sabíamos que ela ia trazer os fardos de palha para o palco! Foi tudo à última da hora”, explicava, entre suspiros, um membro da organização, alarmado com o passar excessivo do tempo e com a consequente inquietude do público, já cansado dos beats revoltados servidos pela DJ da artista, que assumiu com mestria a banda sonora do momento decorativo.

Depois da projeção de uma animação protagonizada por divindades indianas – como se ainda fossem necessárias introduções… -, M.I.A. surge finalmente em palco, poderosa, irreverente como só ela, mais do que preparada para carimbar a memória dos presentes com uma atuação, no mínimo, inesquecível.

Lana Del Rey pisou o mesmo palco horas antes, mas é em M.I.A. que a coroa habita, dourada, enorme, dominadora. “Mas o que se passa aqui?”, perguntavam-se aqueles que tinham, muito provavelmente, assistido à sua recente atuação no Sudoeste tmn, onde se apresentou mais contida, menos interventiva e arrojada. Um dançarino com traços nórdicos ajuda-a a fazer a festa, ora dançando euforicamente, ora compactuando nos seus jogos de sedução, perpetuados por movimentos provocadores e agachamentos ousados, ora servindo-lhe de capataz para as tarefas mais árduas, das quais foi exemplo a angariação de público para com a sua «patroa» subir ao palco. Da sua trupe ainda faz parte uma cantora de apoio, que parece partilhar com M.I.A. semelhantes doses de loucura e imprevisibilidade.

Paper Planes, que pôs a Herdade do Cabeço da Flauta em peso a disparar tiros no ar, e Bad Girls, single de avanço do novo trabalho da cantora, foram, inevitavelmente, os momentos altos da atuação, que arrancou em modo M.I.A. Sound System, com beats repetitivos, paragens forçadas, transições inconsistentes, pouca voz e muito, muito ruído. Boyz, que confessou não tocar há já muito tempo, fez a transição para as canções mais orelhudas, que se sucederam, intercaladas com sons de helicópteros e demais experiências sonoras trazidas até nós pela DJ de serviço.

Impossível tirar os olhos do palco. Ninguém quer perder o próximo devaneio de uma M.I.A. arisca, que não hesita em fazer a festa com o público, desfilando por entre este e com ele partilhando o protagonismo vocal de alguns temas. Não contente, ainda sobe às grades, onde permanece por tempo infinito, entre exercícios de equilibrismo e danças selváticas, para desespero dos seguranças que a acompanham. Ninguém tem mão nesta menina já senhora que, a caminhar para o final da atuação, ainda nos oferece, de rajada, uma investida caótica nos meandros do rock psicadélico.

Pela segunda vez em Portugal, o regresso dos Horrors fez-se com uns quantos sinais de amadurecimento, refletidos por uma necessidade de teatralização inferior, denunciada pela descontração com que se apresentaram no Palco EDP.

As muralhas shoegaze construídas pelos ingleses ergueram-se no recinto, ainda em batalha com o reverb exagerado deusa hindu, cujo atraso resultou num prolongamento da atuação. Com uns quantos ouvintes dedicados, os Horrors fecharam a lista de concertos do dia, propagando as melodias enegrecidas pelos caminhos de quem, entretanto, se punha a jeito para ir embora.

Comparativamente ao primeiro dia de festival, a noite de ontem esteve muito mais composta, ainda que longínqua das enchentes de outros tempos. Será que hoje a promessa de Peter Gabriel & The New Blood Orchestra faz com que os putos do Super Bock Super Rock venham com os pais e o caso mude de figura?

Texto: Ariana Ferreira e Sara Novais
Fotografias: Filipa Oliveira