Imersão exaustiva nas cozinhas de um grande restaurante, onde cada chef tem tantos talentos quanto neuroses, ""The Bear" escreveu esta quarta-feira uma página na história dos prémios Emmy, arrecadando o maior número de nomeações de sempre para uma comédia.

As 23 nomeações são a marca de um ano recordista neste que é o equivalente aos Óscares na televisão.

Esta performance é tanto mais marcante quanto a sua própria natureza de “comédia” é amplamente debatida, pois o programa aborda temas difíceis, que vão da morte à traição e ao assédio emocional.

“Encontramos humor na tristeza”, diz Ebon Moss-Bachrach, o ator que interpreta o gerente do restaurante.

“Acho que um dos pontos fortes da série, e uma das razões pelas quais tocou tantas pessoas, é que o luto é algo que atravessa todos nós”, acrescentou durante uma recente conferência de imprensa.

A segunda temporada de “The Bear” confirmou o sucesso da série, uma produção FX disponível em Portugal através do Disney+.

A série traça o stresse gerado pela abertura de um novo restaurante gastronómico ousado e experimental, nascido das cinzas de um caótico estabelecimento familiar italiano de sanduíches.

Mas a intriga culinária é alimentada por acontecimentos trágicos: as personagens têm que enfrentar o suicídio de um ente querido, lutar contra o alcoolismo, cuidar de pais moribundos e, às vezes, separações.

No meio de todos estes dramas, a série “também tem momentos muito leves, muito bonitos”, insiste Ayo Edebiri.

Fatias de riso

Ebon Moss-Bachrach, Ayo Edebiri e Jeremy Allen White

Isto é suficiente para fazer de “The Bear” uma comédia? A questão é importante – e ainda debatida – em Hollywood. Porque os Emmys separam os seus prémios em três tipos principais de categorias: séries de drama, comédia e minisséries ou antologias.

Por vezes, a inclusão de “The Bear” na categoria de comédias é retratada como uma estratégia de evasão por parte dos seus produtores, pois permite-lhes não enfrentar os pesos pesados ​​das categorias dramáticas, como “Succession" nos últimos anos, e assim ganhar mais prémios.

Mas as comédias em geral “deram uma guinada mais séria”, diz Clayton Davis, colunista da revista Variety.

Segundo ele, a era dos sinceras "fatias de riso", que teve seu auge com “Seinfeld” nos anos 1990, já acabou.

Comédias como "Barry", uma crónica contundente sobre um assassino sociopata que quer ser actor, ou "Fleabag", o retrato de uma jovem à beira de um colapso nervoso e com uma sexualidade voraz, exploraram os recantos obscuros da alma humana, recorda.

Porém, “The Bear” também pode ser vista como uma verdadeira comédia, lidando com o humor negro. Como quando uma personagem explica que não conhece muito bem a sua falecida mãe, por causa de “toda aquela coisa da morte”, ou quando outra é esfaqueada acidentalmente durante um jogo.

“Mais comédias deveriam abraçar o facto de que ainda podemos encontrar humor em tempos de grande angústia”, disse a argumentista Sarah John ao The Daily Beast.

Quarta temporada?

Will Poulter e Lionel Boyce em “Honeydew”, o quarto episódio da segunda temporada

Seja como for, estes debates não impedem que “The Bear” de ter grandes aspirações. Os seus atores Jeremy Allen White, Ayo Edebiri e Ebon Moss-Bachrach foram todos nomeados para os Emmys, tendo já sido premiados no ano passado.

A terceira temporada da série também foi lançada na quarta-feira em Portugal. E outra pode já estar em preparação.

Rumores afirmam que uma quarta temporada teria sido filmada ao mesmo tempo que a terceira, e os atores, cada vez mais solicitados pelo cinema, não tentaram negá-los.

“Fizemos algo do género”, admitiram.

“A pressão é muito real”, continuou Jeremy Allen White, ainda favorito este ano para ganhar o Emmy de Melhor Ator em Série de Comédia.

“Mas depois de algumas semanas de regressar a estas pessoas e à nossa grande equipa, (...) voltamos a divertir-nos e tudo parece novamente possível”, notou com otimismo.