As traduções destas obras - "as primeiras em Portugal", segundo a Imprensa Nacional (IN) -, feitas por João Pedro Ferrão, que traduziu Buonarroti, e A. Ferreira da Silva, tradutor de Cavalcanti, conquistaram menções honrosas no Prémio IN/Vasco Graça Moura, de 2017.
Miguel Ângelo Buonarroti é o autor do David e dos frescos da Capela Sistina, "e bastariam essas duas obras para definir a grandeza do seu génio", escreve Nuno Júdice - que participará na apresentação das obras, na segunda-feira -, chamando a atenção para o facto de, "além das obras-primas [do artista], que surgem em todas as obras de referência", a poesia de Miguel Ângelo ter ficado "reservada aos poucos que se interessam pelas letras dessa primeira metade" do século XVI.
Nuno Júdice assina o prefácio de "Rimas" e atesta: "Temos agora a oportunidade, numa admirável tradução, de ler a poesia de Miguel Ângelo" e "o poeta não se afasta do pintor", em qualidade e génio.
O artista e arquiteto português Francisco de Holanda conheceu Miguel Ângelo, em finais da década de 1530, e da sua estadia em Roma escreveu "Diálogos de Roma", uma "obra excecional" à qual Júdice recorre para contextualizar a poesia do escultor de "Pietá".
"É nas poucas referências que faz à relação entre poesia e pintura que Miguel Ângelo revela a sua conceção, segundo a qual, na linha de Horácio, 'poetas e pintores têm poder para ousarem, digo ousarem o que lhes aprouver. E este ver bem e este poder sempre o tiveram; que quando quer que algum grande pintor (o que mui poucas vezes acontece) faz alguma obra que parece falsa e mentirosa, aquela tal falsidade é mui verdadeira'. Miguel Ângelo converte em elogio o que, em Horácio, soa como censura".
Júdice, professor na Universidade Nova de Lisboa e escritor, refere que "quase que ouvimos, nestas palavras, o início da 'Autopsicografia' de Pessoa, quando diz que 'finge tão completamente/ que chega a fingir que é dor/ a dor que deveras sente'".
Sobre a poesia de Miguel Ângelo declara: "Não encontramos nestes poemas outro fingimento que não seja a expressão do seu mundo e da sua vida; e talvez seja este lado confessional, por vezes que é dado através de uma forma ora satírica ora lírica, que fez desta poesia um objeto difícil de classificar e, por isso mesmo, vivendo no seu tempo e para além do tempo".
Sobre Guido Cavalcanti, a professora Rita Marnot - que também estará na apresentação das obras - refere a "subtileza refinada e altiva" do "poeta-filósofo", "sempre absorto nas suas abstrações", e que impôs a sua independência às grandes casas de Florença.
"Compreender o poeta-filósofo não estava ao alcance de qualquer um. A agilidade do movimento e o dito de espírito salvavam a alma e o corpo, numa encenação, muito à sua maneira, do dia da ressurreição. Tirava partido do cenário, batistério e cemitério, início e fim da vida. Às insinuações acerca do seu epicurismo e da sua descrença na vida para além da morte, respondia com um gesto que o libertava do cerco que lhe estava a ser montado", escreve Rita Marnot.
"As 'Rimas' de Guido Cavalcanti são formadas por cerca de meia centena de poemas, a maior parte dos quais sonetos, ao que se acrescentam várias baladas, duas canções e duas estrofes de canção. Compreendem diversos filões, entre composições de correspondência, de temática amorosa, da esfera ‘metaliterária’ ou de incidência histórica, não sendo possível estabelecer a sua cronologia relativa nem apurar um sistema de ordenação originário", afirma Marnot.
Rita Marnot, professora da Universidade de Coimbra, argumenta que Cavalcanti deu "um salto no tempo que o projeta até à nossa atualidade", e explica: "O fluxo problematizante que em Cavalcanti liga corpo e espírito, o eu e o outro, o sujeito e a escrita, sem iludir nem as suas contradições nem a complexidade das reações fenomenológicas descritas, é o fio contínuo que faz do seu autor um poeta pré-moderno".
A sessão de apresentação da coleção, dedicada a escritores italianos, tem lugar na próxima segunda-feira, às 18:00, na biblioteca da Imprensa Nacional, conta com a presença dos tradutores, do diretor da coleção, António Mega Ferreira, do diretor da Unidade de Edições e Cultura da IN, Duarte Azinheira, do poeta Jorge Reis-Sá, membro do júri do Prémio IN/Vasco Graça Moura, cabendo a apresentação das obras a Nuno Júdice e Rita Marnot.
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