Em “A Tralha”, que Capicua criou a convite da BoCA - Bienal de Artes Contemporâneas, o ator Tiago Barbosa faz um monólogo enquanto a rapper vai manipulando objetos e construindo uma espécie de cenografia que vai evoluindo ao longo da narrativa.

O texto, descreveu Capicua em declarações à Lusa, fala sobre: “acumulação, desperdício, obsolescência, sobre os objetos que nos rodeiam que nos dão a ideia de casa, mas também que nos afogam em tantas circunstâncias e sobretudo num planeta que está, ele próprio, afogado em plástico”.

Em “A Tralha”, a reflexão sobre esses temas “mistura-se com uma narrativa pessoal, de um homem que fica sozinho durante os longos meses de confinamento, apenas rodeado dos móveis, dos objetos e das coisas que também contêm em si a memória das relações e da sua própria construção de vida”.

Para Capicua, por abordar a ecologia e ideia de frugalidade – “que [deveriam] cultivar todos” -, ao mesmo tempo que fala de “um confronto com o universo emocional de um homem nos meses de pandemia”, trata-se de uma peça “que se relaciona muito com a atualidade”.

Embora o texto tenha “muita coisa” que vem do seu imaginário pessoal, “como todas as obras artísticas”, não se trata de um texto pessoal nem biográfico.

A rapper confessa que foi “com uma certa síndrome do impostor e muita insegurança” que se atirou à escrita do primeiro texto para teatro, mas sentiu-se “muito acompanhada”, porque a cocriação foi feita com Tiago Barbosa, “um ator muito experiente”, com quem Capicua fez muitas revisões do texto, construiu a parte da encenação e pensou a concretização do texto em cena.

Criar para teatro foi “muito diferente de criar um álbum”.

Embora haja “um processo de pesquisa e preparação que antecede o próprio processo de escrita que até se pode considerar parecido, a partir do momento em que o texto está escrito, a concretização é muito diferente”.

Esse processo foi também “uma aprendizagem” para Capicua, sobretudo por ser alguém que não tem “nenhuma experiência nas artes performativas” e que no seu trabalho evita ‘performar’ “o mais possível”.

“A própria experiência do ensaio, da experimentação, de estar em criação durante muitas semanas, permanentemente a experimentar o gesto, pensá-lo de uma forma meticulosa, e a disposição das coisas em cena acaba por ser muito diferente daquilo que estou habituada a fazer”, partilhou com a Lusa.

Por não se considerar uma ‘performer’, essa parte custou-lhe “bastante”, mas foi interessante passar por esse processo.

“Porque aprendi muito e obrigou-me a pensar em coisas nas quais não penso habitualmente e é criar um desdobramento do meu universo de trabalho totalmente novo”, referiu.

Habituada a escrever poemas, que ‘rappa’, Capicua “já tinha vontade de experimentar a escrita noutros registos”. “E desde que começou a pandemia foi uma espécie de resolução para mim. Já tinha essa vontade, para meu próprio interesse artístico, mas depois percebi que estar reduzida à música pode ser muito frustrante quando estamos impedidos nomeadamente de fazer concertos. Estarmos dependentes de uma só modalidade de trabalho é muito limitador e a pandemia mostrou-nos isso muito bem”, contou.

A ‘rapper’ recordou que aproveitou os últimos tempos para se inscrever num curso de guionismo, entretanto surgiu o convite da BoCA e já teve um outro convite, “do Miguel Fragata para fazer uma música da banda sonora de uma peça, que [se] estreará no [Teatro Nacional] D. Maria II”.

“Começaram a aparecer oportunidades para essa vontade que eu tinha se concretizar”, partilhou.

“A Tralha” tem apresentações hoje, no sábado (às 19:00) e no domingo (às 18:00) no Jardim do Palácio Pimenta (Museu de Lisboa). O espetáculo tem entrada gratuita e os bilhetes podem ser levantados no local, no próprio dia entre as 10:00 e as 18:00, com limite de dois por pessoa.

“A Tralha” será também apresentado em Faro, no Anfiteatro da Ria, no dia 9 de outubro.

A 3.ª edição da BoCA - Bienal de Artes Contemporâneas começa hoje em vários espaços culturais de Lisboa, Almada e Faro, com apresentações de artistas de diversas áreas como, além de Capicua, Grada Kilomba, Gus Van Sant, Luís Lázaro Matos e Agnieszka Polska.

O certame, que coloca em diálogo as artes visuais, a performance, as artes cénicas e a música, decorre até 17 de outubro, com dez estreias nacionais e 17 novas criações de mais de 40 artistas portugueses e estrangeiros.