"Como é que o Bicho Mexe?", diretos de Bruno Nogueira no Instagram, regressam esta sexta-feira, dia 13 de novembro, às 23h00, para uma emissão especial. A emissão pode ser acompanhada na conta de humorista na rede social.

O fenómeno criado pelos diretos do humorista Bruno Nogueira na rubrica “Como é que o Bicho Mexe?” deve ser estudado e visto como uma “referência”, segundo os especialistas em redes sociais contactados pela Lusa.

Francisco Véstia, especialista na criação de estratégias de conteúdo para marcas, e Gustavo Cardoso, diretor da OberCom, laboratório de observação dos media portugueses, analisaram os possíveis impactos que Bruno Nogueira pode ter introduzido na maneira como se produz e consome conteúdo, ao ter criado algo “sem precedentes”.

“É muito óbvio que é um fenómeno cultural, porque é palpável quando há pessoas na rua a pôr luzes de natal e a conversação que domina o dia seguinte, ao nível de um acontecimento futebolístico ou transformador social. Na questão digital, reduzida a números, não é tão palpável porque faltam referências, não há ‘rankings’. Merece ficar registado para ser analisado no futuro. Não há nada que se possa analisar agora em comparação, esta é a referência daqui para a frente”, afirmou Francisco Véstia, ‘country manager' da empresa Samyroad.

O mesmo explicou que, em termos de números, o “bicho” só pode ser comparável com os máximos registados no Instagram, como o direto do rapper Tekashi 6ix9ine que atingiu os dois milhões de visualizações em direto quando saiu da prisão, ou quando Drake aderiu ao direto de Tory Lanez, alcançando as 300 mil pessoas, mas que ainda assim, há outros fatores por trás dessas figuras, como o número total de seguidores e a influência na esfera pública.

“O Drake tem milhões de seguidores e é um artista pop reconhecido internacionalmente, tem uma demografia muito mais diversificada. O Bruno é um comediante português, não transversal, que tinha 100 mil seguidores e terminou com diretos que só podem ser comparados a fenómenos da música mundial. Estamos a falar de um fenómeno altamente localizado, num país de 10 milhões de pessoas que terá, no máximo, cinco a seis milhões de utilizadores da rede social. Não há nenhum enquadramento lógico ou logístico que eu possa dar”, prosseguiu.

Para o consultor, este fenómeno criou “um patamar que vai ser referenciado” e estudado por marcas, patrocínios e gestores e pode ser positivo para o mercado de conteúdo de digital, porque mostrou a quem tem poder de decisão que o mesmo funciona.

“Também vai ser negativo porque levou a medição para níveis que não são comportáveis, porque as marcas e quem têm o poder de decisão vão querer coisas a esse nível e isso não é replicável. O ‘queremos um direto do Bruno Nogueira’ vai ser o novo ‘quero um vídeo viral’, mas não vai ter a autenticidade de conteúdo, nem a criação de um momento de partilha e intimidade com a audiência, enquanto produto à venda no supermercado”, apontou.

Além disso, é da opinião que o projeto vai mudar o consumo de conteúdo tradicional, porque atingiu uma geração que era “o bastião e a muralha de defesa dos números pertinentes dos media tradicionais”, já que teve mais de 150 mil pessoas a ver um direto, no telemóvel, das 23h00 às 1h00 e que importa perceber, se acontecesse em televisão, o que significariam esses números.

“Diria que, em termos de galvanização, é comparável ao Europeu de futebol de 2004. O conjunto de fatores e, principalmente, o talento e o valor do Bruno durante estes dois meses não são repetíveis. Não é uma soma das partes que vai que vai dar o mesmo resultado”, concluiu.

Por seu lado, Gustavo Cardoso disse que estavam criadas todas as condições para que este fenómeno acontecesse, o que faltava era o “fator decisivo da alteração dos padrões de comportamento social”, provocado pelo confinamento devido à pandemia da COVID-19, e que tal não aconteceu antes porque “existiam salas de espetáculo”, emprego e trabalho na área da cultura que desapareceram.

“O Bruno Nogueira é um produto dos media antigos, os fãs já existiam, mas para funcionar precisava da televisão, da rádio ou das salas. De repente, toda a dinâmica alterou-se. As partes estavam presentes, existia uma legião de fãs criada noutras dinâmicas e teve dois meses de crescimento e experimentação. Se é possível fazer outra vez com a mesma dimensão? É difícil, porque era necessário haver outro Bruno Nogueira”, começou por explicar.

Além disso, apontou também o padrão da saturação do espaço de informação, que ficou ocupado pela COVID-19, deixando as pessoas à procura de algo diferente e que Bruno Nogueira proporcionou, marcado pelo humor e a cultura.

“É mais fácil encontrar esta dinâmica nas redes sociais e, embora envolva muita gente, tem o sabor de ser uma coisa à margem, em que quem participa são menos dos que estão a ver um programa de televisão. As luzes de Natal são simbólicas nesse aspeto, as pessoas estão a dizer que estão com o Bruno, a fazer algo diferente de todas as outras, identificando-se e criando uma diferenciação. É o somatório dos fatores que faz com que tenha sido um sucesso”, prosseguiu.

Para o investigador, a questão agora é “perceber como monetizar o produto”, se os artistas ganham mais neste tipo de conteúdos do que nos media tradicionais, porque é isso que vai ditar a continuação do formato e, principalmente, da experimentação, já que é “muito mais fácil experimentar fora dos condicionalismos das marcas, televisões, jornais e rádios”.

“O grande problema é que quando surge uma inovação é que todos os outros tendem a copiar, porque garante sucesso. Os media saudáveis devem procurar outras fórmulas que possa resultar e sejam diferentes, o que acontece normalmente são cópias e são piores. É um problema muito português, toda a gente tenta copiar e por isso há pouca diferença nos canais televisivos, em que o que muda é o cabeça de cartaz e não o formato”, indicou.

Gustavo Cardoso sublinhou também que há “um papel para o qual as plataformas como o Facebook e a Google têm de ser chamadas”, o da aposta na cultura e não apenas nas notícias, porque se há dinheiro a ser ganho nas páginas de desinformação, então os artistas também o deveriam conseguir fazer nas suas páginas.

“[As plataformas] têm na sua mão os mecanismos que permitem criar novas formas de sustento e rendimento para a cultura e os atores do processo cultural, não é apenas o Estado e os investidores. As plataformas também têm de ser chamadas para esse espaço. É uma outra coisa que podemos retirar do estudo do caso do Bruno Nogueira”, finalizou.