“Aquilo que tentei fazer com o espetáculo, que foi para mim o fundamento do tratamento de toda a história, foi a questão da lei do mais forte”, disse à agência Lusa a encenadora Marta Dias, responsável pela versão dramatúrgica e pela encenação da peça que parte do texto homónimo do autor austríaco Ferdinand Bruckner (1891-1958).

Para a criadora, esta peça levanta ainda outras questões que a angustiam. Como as de saber “se a tolerância tem limite” ou “se a democracia neste momento está tão permissiva, que permite a sua própria destruição e compromete a liberdade de todos e cada um”, exemplificou.

Algo que se torna ainda “mais pertinente”, para Marta Dias, num momento em que a Assembleia da República conta com um deputado eleito por um partido de “extrema-direita”, disse.

Da peça escrita em 1926 por Theodor Tagger, nascido em Sofia, que adotou o pseudónimo de Ferdinand Brucker, cuja ação o autor situou em 1923, Marta Dias disse ter pretendido dar-lhe um “toque futurista”, remetendo a ação para 2023.

“Não como uma data concreta, mas como uma data que está ali ao virar da esquina, um futuro próximo”, observou.

Protagonizada por Maria, uma médica que acabou de concluir o curso e que vai entrar na vida profissional, “Doença da Juventude” conta com mais seis personagens, alguns dos quais médicos e um escritor.

Colegas de faculdade, ex-namorados, amigos e ódios de estimação estão patentes no drama, em que as personagens andam em busca de si próprias e do caminho certo para a sua vida, frisou Marta Dias.

Na encenação da criadora, a ação é transposta para a atualidade, um “mundo descartável e repleto de estímulos consumistas”, em que muitas vezes “não se sabe o que é certo e errado”.

O facto de quase todas as personagens serem médicos permitiu também cruzar na peça temas como suicídio, eutanásia, genoma humano, manipulação genética, uso ou não de embriões e a violência de que os seres humanos são capazes, num espetáculo atravessado por muitas interrogações inerentes ao triângulo “ciência, ética e moral”, referiu.

Apesar das “questões pesadas e complexas” da obra, Marta Dias ressalvou que o espetáculo remete também para “todo o potencial que a juventude tem”.

E que não está “patente apenas no elenco” muito jovem da peça, mas também na “capacidade de transformação e mudança que a juventude tem e que está tão mal aproveitado”.

Uma mensagem que também já estava patente na obra de Ferdinand Bruckner e que a autora leu, pela primeira vez, há dois anos, quando tinha em cena, também no Teatro Aberto, a peça de sua autoria "Toda a cidade ardia", criada a partir de poemas de Alice Vieira, concluiu.

"Doença da Juventude" fica em cena a partir de sexta-feira, até 21 de dezembro, na Sala Azul do Teatro Aberto, e pode ser vista de quarta-feira a sábado, às 21:30, e, aos domingos, às 16:00.

São intérpretes Carolina Carvalho, Eduardo Breda, que também assina o vídeo, Filipa Areosa, Helena Caldeira, Madalena Almeida, Samuel Alves e Vítor d´Andrade.

O cenário é de Marisa Fernandes, os figurinos, de José António Tenente, a luz, de Marcos Verdades, e a coreografia, de Vítor Fonseca (Cifrão).